João Aguiar Campos, Secretariado Nacional das Comunicações Sociais
Não me apetece olhar para 2014; ou, melhor dito, não me apetece ficar a olhar para 2014. O que não me impede de considerar que quem, por estes dias, se dedica a retrospectivas até presta um bom serviço, ajudando a retirar o pó a alguns acontecimentos ou circunstâncias que muitos desejariam esquecer.
Porque esta edição do Semanário Ecclesia me desafia, aceito uma visitação muito rápida ao ano quase defunto, em jeito de exame de consciência. Ou, pelo menos, com o mesmo método e objectivo… Explico-me: os meus exames de consciência são serenos e motivadores. Pela serenidade, procuro a luz que me permita um juízo desejavelmente lúcido sobre comportamentos agora lidos a frio; depois, aprofundo ou altero decisões. De facto, assumido um erro, recuso-me a ficar seu prisioneiro, aproveitando a exigente misericórdia de quem, mais do que libertar-me do passado, me oferece o futuro!…
Se a 2014 fosse uma pessoa, dir-lhe-ia que nesta data lhe peço perdão pelas manhãs de sol que tingi de escuro; e que nesta mesma data já lhe perdoei os dias mais escuros que me ofereceu ou as constatações mais frias a que me obrigou.
1. Em 2014, por exemplo, constatei que as epidemias são notícia não pelo número de pessoas que afectam, mas pelas pessoas que afectam. Ou seja, fui forçado a concluir que também os dramas têm nacionalidade: são enormes se forem norte-americanos, médios se forem da Europa e banais se cobrirem África… Não esqueço, contudo, que são normalmente os grandes dramas que nos ajudam a descobrir pessoas excepcionais. Penso em missionários humildes e médicos e enfermeiros valentes. Ebola dixit.
2. Se os dramas têm nacionalidade, 2014 voltou a lembrar-nos que a violência mais infame pode travestir-se em “religião”– sendo Deus invocado para purificar a humanidade de quem não O reconheça propriedade de um grupo. Mas eis uma infeliz circunstância que também proclama que o martírio é, hoje como ontem, um grito de liberdade!…
3. O ano a passar avivou outra memória: os circos mediáticos ou mediatizados continuam a adormecer estômagos e cérebros. Um Mundial qualquer, por exemplo, ajuda a esquecer a fome e as injustiças, vestindo uma t-shirt. Mas há desportistas que vestem causas, carrinhas generosas que procuram os irmãos dispersos na noite e barcos anónimos que tiram do mar milhares de refugiados e famintos.
4. Sim; 2014 mostrou que o bem também contagia — mesmo sob a forma de um balde de água gelada. Sendo certo que alguns se honraram na publicidade do gesto, seria injusto esquecer que os gestos limpos e sinceros valem sempre a pena.
5. O ódio mata num avião derrubado e nos tanques que não param nas fronteiras; mas a humanidade voa sobre os escombros e ergue-se na voz de uma quase adolescente construtora da paz, ou na proximidade e nas palavras sussurradas de Francisco. Porque a verdade é como o azeite!
6. Ainda em 2014 pudemos constatar a vizinhança entre o Capitólio e a Rocha Tarpeia, vendo como tremem instituições e caem pessoas, ficando os simples defraudados nos seus sacrifícios e na confiança depositada. A dignidade dos humildes não tem preço!…
Sim, eu sei que tudo isto – este olhar avulso — diz muito pouco do ano que se vai. Mas, se me perdoam a imodéstia, podem dizer bastante para o ano que aí vem… E, na minha opinião, isso é já o mais importante!
João Aguiar Campos