Isabel Maia, Diocese de Coimbra
O Orçamento do Estado (OE) para 2026 revela avanços na ação social e proteção dos mais frágeis. Mas parece não ter identificado ainda o problema na sua dimensão plena.
O Governo anunciou o aumento médio de 6,3% das prestações sociais, cerca de 26 357,6 milhões de euros (M€), um valor expressivo, porém, revela uma distribuição desigual: reforços e recuos difíceis de compreender.
Destacam-se medidas de reforço: +40€ no Complemento Solidário para Idosos que representará uma despesa de 671,8 (M€); no apoio ao emprego, +0,9%, totalizando 1.740,1 (M€); no abono de família +27,6 (M€); as prestações de parentalidade que refletem o maior acréscimo 1.232,5 (M€), +23,6% do que em 2025 – impulsionadas pelo aumento de beneficiários, valorização salarial e de mais dois meses do subsídio parental -; a Prestação Social para a Inclusão que atinge 886,1 (M€), +10,4%, com aumento de pessoas apoiadas.
A Estratégia Nacional de Combate à Pobreza 2027-30 impõe ao Governo a definição de metas: a redução das desigualdades territoriais; a pobreza infantil e a pobreza energética – fatores que se enquadram nos princípios da Doutrina Social da Igreja.
Masexistem indicadores de sinal contrário. Desde logo, o OE não contempla medidas de combate à pobreza extrema. O Rendimento Social de Inserção baixa para 354,1 (M€) -700 000 € relativamente a 2025. A Garantia para a Infância – para crianças em privação severa -, desce de 90 (M€) para 88,5 (M€), –1,7%. Estes recuos são incongruentes com o excedente histórico projetado para a Segurança Social: 6.438,5 (M€) na ótica da contabilidade pública e 6.576,4 (M€) na ótica da contabilidade nacional.
Encontramos no OE2026 um paradoxo: o sistema de segurança social nunca foi tão robusto em receitas (49.358,7 (M€)) incluindo +6,9% das contribuições e do crescimento do emprego. Contudo, infelizmente, tal não traduz um reforço proporcional de prestações dirigidas aos mais pobres, mantendo-se na estrutura uma falha grave que afeta, sobretudo, crianças e famílias em risco.
No debate da especialidade emergiram propostas relevantes na área social — saúde mental, rastreios preventivos, creches, apoio à pobreza energética —, mas a dotação final não é clara para já e irá depender da execução legislativa ao longo de 2026 e do documento final.
Existem, ainda, novas dimensões de vulnerabilidade social que não podemos ignorar nem descurar. À luz das encíclicas de Francisco, nomeadamente, Laudato Si’ e Fratelli Tutti e do pensamento social de Leão XIV sobre ética digital e justiça intergeracional, o OE representa um esforço, mas não uma transformação da grave situação social do país. O Papa Leão XIV refere que, hoje, a exclusão tem novas formas: a falta de literacia digital, o afastamento tecnológico, a desigualdade no acesso a serviços essenciais digitais e, neste domínio, o OE2026 é silencioso. A inclusão em geral e a nova inclusão digital constituem um direito social básico não plasmado nas contas deste OE o que limita a capacidade de o país enfrentar as desigualdades intergeracionais.
Este OE2026 dá passos relevantes, mas de forma fragmentada, sem ousadia ou visão estrutural articulada com justiça económica, transição digital e desenvolvimento humano integral. Não é um orçamento corajoso que olhe os nossos rostos para além dos números.
Um orçamento verdadeiramente social não se limita a corrigir desigualdades, procura antecipar as que estão a nascer.
Isabel Maia
Economista, Docente Ensino Superior, Membro da CDJP
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