Secretário-geral das Nações Unidas destaca avanços no combate à desigualdade mas diz que continua muito por fazer
Continua a haver “muito por fazer pela mãe que vê o seu filho ir dormir com fome – um escândalo que acontece mil milhões de vezes cada noite”, lamentou esta Segunda-feira o secretário-geral da ONU.
As palavras de Ban Ki-moon foram proferidas durante a abertura da cimeira sobre os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM), que decorre até Quarta-feira em Nova Iorque.
O secretário-geral está convicto de que apesar dos avanços no combate à desigualdade, as metas definidas em Setembro de 2000 pelos líderes mundiais ainda estão longe da concretização.
Os oito objectivos estabelecidos para 2015 incluem a redução para metade da pobreza extrema, o acesso universal à educação básica, a melhoria da saúde nas crianças e mães, o combate à SIDA, a garantia da igualdade de género, a sustentabilidade ambiental e a criação de parcerias mundiais para o desenvolvimento.
Segundo o secretário-geral das Nações Unidas, “há muito a fazer pelas raparigas que em vez de andarem sobrecarregadas com lenha ou água deveriam estar na escola”, assim como pelos trabalhadores que vêem os empregos “desaparecer no meio da recessão global”.
Na sua alocução, Ban Ki-moon salientou os “resultados reais” alcançados desde o estabelecimento dos Objectivos do Milénio, especialmente na frequência do ensino básico, acesso à água potável e controle das doenças.
“Temos mais histórias de sucesso a nível de desenvolvimento do que nunca. O impacto transformador dos ODM é inegável. Este é um feito de que nos podemos orgulhar. Mas devemos proteger estes avanços, muitos dos quais ainda são frágeis”, disse.
O secretário-geral da ONU deverá revelar esta Quarta-feira um plano para melhorar a saúde infantil e maternal, depois de vários estudos terem indicado que os progressos neste campo terão um efeito multiplicador significativo nos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio.
A Rede Fé e Desenvolvimento, da Igreja Católica, espera que os cerca 140 chefes de Estado participantes na cimeira “sejam mais audazes” e capazes de “maior radicalidade” nas medidas a tomar.
“A crise não pode ser resolvida se houver esta discrepância ao nível do desenvolvimento”, defende Margarida Alvim, coordenadora daquele organismo dependente da Fundação Evangelização e Culturas.
A responsável pretende “que as vozes dos países pobres sejam ouvidas durante as negociações”, já que todas as soluções que não tiverem em conta a interdependência formal ou informal entre os países acabarão por se tornar “limitadas”.
A cimeira pode ser também ser ocasião para os Estados ricos avaliarem os seus padrões de crescimento económico: “O facto de as nações pobres ficarem mais desenvolvidas não significa terem mais coisas. A solução não será atingirem o nosso nível de vida e o nosso modelo de desenvolvimento, que também está desequilibrado”, afirma.
A coordenadora está igualmente convicta de que o encontro pode ser uma oportunidade de mudança pessoal: “Os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio dependem de cada um de nós. Não é só uma questão política”.
“É vergonhoso que neste terceiro milénio, com tantos recursos e informação, haja discrepâncias cada vez mais agravadas entre os povos, e mesmo dentro dos próprios países. Acho que a humanidade é capaz de muito mais do que isto”, sublinha.
O protagonismo, acrescenta, está sobretudo em quem tem referências religiosas: “O empenho pelos direitos humanos deve estar no nosso ‘chip’ de crente”.
Pôr o dedo na ferida
Para Margarida Alvim, é importante que “a Igreja Católica vá acompanhando e pondo o dedo nas feridas, porque também é para isso que ela é convocada”.
A cimeira das Nações Unidas conta com a participação da Santa Sé, que vai estar presente através de uma delegação chefiada pelo presidente do Conselho Pontifício Justiça e Paz, o cardeal ganês Peter Turkson.
O envolvimento da Igreja começou muito tempo antes da reunião: a Fundação Evangelização e Culturas e a CIDSE, plataforma de 16 organizações católicas de apoio ao desenvolvimento, entregaram aos participantes um conjunto de propostas.
As recomendações chegaram também ao primeiro-ministro, José Sócrates, e ao ministro de Estado dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, que participa no encontro.
Em Portugal, a prioridade da Rede Fé e Desenvolvimento, iniciada em 2009, “não é a execução de projectos, onde a Igreja já tem uma presença alargada, mas o acompanhamento das políticas no campo do desenvolvimento, às vezes muito injustas”, explica Margarida Alvim.
À reflexão sobre as desigualdades juntou-se este Sábado e Domingo a celebração da fé: a Fundação Evangelização e Culturas criou um guião de seis páginas com textos para serem meditados nas missas.
A coordenadora considera que esta “é uma experiência a repetir”, embora admita que acontecimentos políticos da importância desta cimeira podem vir a ser marcados “com uma rede de oração ainda mais visível”.
A ideia é “fazer pontes entre o nosso ser como cidadãos e o nosso ser como crentes, que tem que ser o mesmo”, refere a responsável.
O programa da Igreja Católica na Antena 1 deste Domingo foi dedicado ao envolvimento de organizações eclesiais na concretização dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio.