Octávio Carmo, Agência ECCLESIA
Com a força
Do relâmpago inseguro,
Que das nuvens mais escuras
Tira a sua própria luz.
Rita Sacramento Monteiro: obrigado. O texto que publicaste no Ponto SJ (https://pontosj.pt/opiniao/viver-a-partir-de-que-lugar/) sobre a morte da tua mãe, o processo de luto e luta espiritual, deveria ser de leitura obrigatória.
Começo pelo fundamental: a convicção definitiva de que há Amor depois da vida. E é isso que nos guia, perante a questão central para a fé e a existência humana que a morte e o sofrimento representam. A ferida do fim.
Já o escrevi antes: quando dizemos adeus, falamos de nós. É algo da nossa vida que (se) parte e que vemos noutra dimensão, inesperadamente, em busca de um sentido. Somos recordados da total provisoriedade em que estamos mergulhados, na sucessão dos dias, ainda que a fé nos diga que são uma passagem para uma realidade definitiva.
Permitam-me que cite o texto de Rita Sacramento Monteiro, para que possamos refletir juntos:
Para viver a morte a partir da raiz, nomeadamente a partir da raiz da nossa fé, é preciso, por isso, fazer a experiência humana e não ficarmos por aquilo em que deveríamos acreditar, deveríamos pensar ou deveríamos sentir (…). Não podemos querer uma liturgia rápida da morte que arrume e abafe a dor que não queremos sentir”.
Não há receitas fáceis para a nossa dor, a nossa angústia, a incerteza do que virá, de como tudo poderá ou não reencontrar o seu espaço. “Crer não é satisfazer-se, não é ter as soluções nem ter encontrado as respostas. Crer é habitar o caminho, habitar a tensão, viver dentro da procura”, ensina-nos D. José Tolentino Mendonça, poeta e cardeal. Testemunhar o ‘Deus Ferido’ – como diria o sacerdote e escritor checo Tomás Halík, esse Deus que ‘sofre com’ a humanidade, não uma entidade abstrata e distante deste mundo, sobre o qual apenas agiria através de uma espécie de força mágica, alterando acontecimentos e destinos a seu bel-prazer.
(Escreve a Rita: “É duro fazer perguntas a Deus sobre o que aconteceu, ou ouvir comentários piedosos sobre um Deus que escolhe quem vem buscar!”).
A vida de quem fica é, indelevelmente, marcada pela morte de quem se ama. Exige, muitas vezes, uma coragem quase inalcançável para que se possa reiniciar o movimento vital, mesmo que nada fique no lugar.
Habitamos a dúvida. Juntos, em passagem, celebrando também a finitude. Há algo de fundamental na irrepetibilidade definitiva dos nossos passos: o caminhar humano pertence ao futuro.
P.S. Num encontro de Ritas, encerro este texto com uma passagem da Rita Lee, que parece ter sido escrita de propósito para a nossa conversa…
“Eu hoje represento a pergunta
Na barriga da mamãe
E quem morre hoje, nasce um dia
Prá viver amanhã
E sempre!”