O Vulcão na primeira pessoa

O dia 27 de Setembro de 1957 ficará na história do povo açoriano e, mais concretamente, da Ilha do Faial. O vulcão dos Capelinhos começou a sua saga temorosa que se prolongou por vários meses. Quando deu os primeiros sinais, Monsenhor Júlio Rosa estava em Lisboa, mas voltou no final desse mês para a ilha. Nesses dias – relatou à Agência ECCLESIA o pároco de Nossa Senhora das Angústias – organizaram-se, na freguesia do Capelo, “várias peregrinações com a imagem de S. Mateus, santo de grande devoção daqueles habitantes”. A peregrinação de S. Mateus “continua a realizar-se todos os anos mesmo depois do vulcão ser dado como extinto”. Da igreja do paroquial até ao canto do capelo dista cerca de 2 quilómetros. Durante o percurso “as pessoas rezavam e pediam a Deus que acalmasse o vulcão” – disse Monsenhor Júlio Rosa. Do outro lado da freguesia, o povo – “liderado pela tia Joaquina, senhora muito piedosa que ensinava catequese às crianças” – levou consigo “a coroa do Espírito Santo”. Quando chegaram perto do fenómeno da natureza “levantaram a coroa e pediram ao Espírito Santo que terminasse com o terror” – disse o actual pároco de Nossa Senhora das Angústias, na cidade da Horta. O Vulcão dos Capelinhos, situa-se na Ponta dos Capelinhos, freguesia do Capelo, na Ilha do Faial. O nome Capelinhos deve-se à existência de 2 ilhéus (Ilhéus dos Capelinhos) e insere-se no complexo vulcânico do Capelo, constituido por cerca de 20 cones de escórias e respectivos derrames lávicos. Este manteve-se em actividade de Setembro de 1957 a Outubro de 1958. A crise sísmica, associada à erupção vulcânica e à queda de cinzas e materiais de projecção, provocaram a destruição generalizada das habitações e dos campos das freguesias do Capelo e da Praia do Norte. Actualmente, o Vulcão dos Capelinhos encontra-se inactivo. No Cabeço Norte existe uma pequena fenda que é o respiradouro do vulcão. Constantes sobressaltos Desde o dia 17 de Setembro desse ano que a população vivia em constante sobressalto e com as pernas a tremer. Alguns dos cerca de 200 sismos de baixa intensidade que se sentiram na ilha abriram fendas nas paredes das casas. “Muitos deles fugiram logo para a cidade da Horta e outros para a Ilha do Pico” – sublinha o pároco octogenário. E acrescenta: “Primeiro, o vulcão rebentou no mar só depois se ligou à terra. A ilha aumentou cerca de cinco quilómetros quadrados”. A 27 de Setembro, iniciou-se uma erupção submarina a 300 metros da Ponta dos Capelinhos. A partir de 3 de Outubro, as explosões de piroclastos e a erupção, evoluíu formando primeiro uma ilha a 10 de Outubro, chamada «Ilha Nova» (e ainda, por «Ilha do Espírito Santo» ou «Ilha dos Capelinhos»), com 800 metros de diâmetro e 99 metros de altura, ficando com a cratera aberta ao mar. Com o aparecimento de um istmo (porção de terra estreita cercada por água em dois lados e que conecta duas grandes extensões de terra), a fim de poucos meses, a ilha liga-se à Ilha do Faial. Nos dias seguintes e após as primeiras explosões, a ilha recebeu muitos turistas. “Muitos deles vieram comigo no barco que me trouxe até à cidade da Horta” – realça Mons. Júlio Rosa. Na primeira fase, o vulcão projectava muita lava que subia a grande altitude. “O fumo era frequente mas eram cenas empolgantes”. O povo da ilha, sobretudo da cidade da Horta, ia “visualizar os acontecimentos” mas “era proibido avançar até muito perto”. Os furores da terra não lhes eram estranhos, em especial os abalos que com grande frequência lhes fazem tremer as casas. Escreveu Vitorino Nemésio: “A geografia, para nós, vale tanto como a história, e não é debalde que as nossas recordações escritas inserem dos cinquenta por cento de relatos de sismos e enchentes. Como as sereias temos uma dupla natureza: somos de carne e pedra. Os nossos ossos mergulham no mar”. Noite dolorosa de 12 de Maio Em Novembro de 1957, aumentou progressivamente a actividade atingindo o seu máximo na primeira quinzena de Dezembro. Nos primeiros meses do ano seguinte, as erupções do vulção dos capelinhos mantiveram-se em actividade constante. Enquanto os peregrinos de Fátima celebravam, no Santuário Mariano, mais um aniversário das aparições, os habitantes da Ilha do Faial viveram os dias 12 e 13 de Maio 58 em permanente sobressalto. “O vulcão começou a expelir jactos de lava com cerca de 40 metros de altura” – afirmou Mons. Júlio Rosa. E avança: “Era um chuveiro de faíscas que iluminavam a noite”. A terra “tremeu imenso” e lava escorria para o mar. A freguesia da Praia do Norte ficou “completamente destruída” e muitas das casas da ilha sofreram com os abalos. “Com os tremores criou-se uma fenda – com cerca dois metros – que atravessou a freguesia e ainda se pode ver junto da Caldeira”. Com o pânico, os habitantes das terras circundantes ao vulcão começaram a fugir, mas “levavam consigo umas estampas religiosas e uns crucifixos”. As freguesias vizinhas acolheram-nas. “Muitas pessoas da ilha dormiam na rua porque tinham medo que as casas caíssem. A ilha do Faial estava continuamente a baloiçar” – recorda o sacerdote faialense. Numa das paróquias da cidade da Horta cantavam-se as novenas de Maio. “As pessoas ficaram assustadas com os constantes abalos e pararam de cantar”. O Pe. Medeiros tentou transmitir calma, mas as pessoas fugiram para a Praça do Infante ou para os quintais de suas casas porque tinham medo. “Nessa noite também dormi no quintal. Não choveu mas a terra tremia constantemente” – lembra. Acalmar a população Pela Meia-Noite sentiu-se “um berro, uma explosão da ilha”. No fundo da Caldeira rebentou um buraco onde “saía cinza que cobriu a Caldeira e as zonas circundantes. Ficou tudo negro” – afirmou o Mons. Júlio Rosa. Passados três dias, o nosso interlocutor foi, com um amigo, ver os estragos. No fundo da caldeira estava “um buraco a fumegar e a água da caldeira tinha desaparecido”. Na altura, o jovem padre pediu ao Governador Civil, António Freitas Pimentel, que organizasse grupos para acalmar as pessoas. “Na cidade da Horta não havia espaço para tantos faialenses”. Nos vários trajectos, as pessoas caminhavam pelo meio da rua porque tinham medo que as casas caíssem. “Muita gente começou a fugir para a Ilha do Pico” – contou. Na abertura do baú das suas memórias, Monsenhor Júlio Rosa realça também que o Eng. Frederico Machado lhe pediu para transmitir ao António Freitas Pimentel que ordenasse grupos para retirar as pessoas do Capelo e da Praia do Norte porque “o chão estava a abrir”. E completa: “Apareceram muitas fendas”. Transmitido o pedido, o padre faialense «meteu-se» na furgoneta com o Casimiro – “senhor do continente que se estabeleceu aqui na ilha” – e começaram a recolher pessoas e bens. “Quando chegaram à freguesia de Castelo Branco começou a aparecer uma chuva miudinha e um nevoeiro. “Na Lombada, junto a Castelo Branco, começamos a encontrar grupos de pessoas, acompanhados por crucifixos e quadros religiosos, que rezavam com imenso fervor” – sublinha. Na aldeia do Capelo estavam muitos idosos de joelhos junto às Coroas do Espírito Santo a “pedir a Deus que terminasse com aquele terror”. E avança: “Enchemos o carro com as pessoas mais idosas e doentes. Temor a Deus Depois da celebração do dia 13 de Maio, o Pe. Júlio Rosa foi com o Pe. Henrique buscar “o Santíssimo à Igreja do Capelo”. Daquela igreja “completamente negra” retiraram também as “alfaias litúrgicas e a imagem de S. Mateus”. Na Praia do Norte, a igreja já tinha “caído” mas “a Senhora da Dores – imagem alta do escultor Lapa, do Porto, de 1910 – ficou intacta”. A terra continuava aos solavancos mas durante a viagem “recolhemos muitas imagens de santos”. Passados 50 anos, Monsenhor Júlio Rosa recorda os acontecimentos como se fossem de ontem. Naquelas ocasiões “não temos mais ninguém para recorrer senão a Deus”. Depois de terminada a fúria do vulcão, as pessoas começaram a ter uma grande devoção “ao Senhor Santo Cristo da Praia de Almoxarife”. E acrescenta: “É o chamado temor a Deus”. Foram treze meses de grande sofrimento. Na altura, a ilha do Faial tinha cerca de 27 mil habitantes e “veio parar aos 15 mil”. E lamenta: “a Ilha do Faial está diferente porque naquele tempo não havia a indiferença religiosa que temos hoje”

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