Pedro Neto, presidente da Orbis
1. Ouve-se muitas vezes, e com razão, a ideia de que as experiências de curta duração, no voluntariado missionário não valem muito.
De facto, tendo a concordar. Se ficasse por aí, se nada do que se vive e faz nesse curto espaço de tempo não perdurasse de algum modo, não valeria a pena. No entanto, este caminho é o início de alguma coisa maior, substancialmente maior!
O potencial é de facto enorme na medida em que há sempre, sempre uma transformação que é permanente e que causa mudança na pessoa, e nas pessoas ao seu redor.
De facto, a experiência do voluntariado missionário, em si mesma, é o início de uma caminhada pessoal e comunitária, de vida transformadora. Nada na vida de um voluntário missionário torna a ser igual ao que era antes da Missão. Os filtros da vida toldam-nos o olhar e o mundo ganha novas cores, novas dimensões, perde fronteiras.
Tudo se torna diferente e o campo de ação abre-se a uma escala global, ainda que humilde, global.
2. O voluntariado missionário como projeto sistemático, arranca na Diocese de Aveiro em 1997. Enquadrados no Secretariado Diocesano de Animação Missionária (SDAM), os voluntários que partiam em Missão começaram a perceber a riqueza da experiência missionaria, mas também as suas limitações, a falta de meios para responder a necessidades que identificavam no terreno junto com os missionários que os acolhiam além fronteiras.
Os trabalhos desenvolvidos enquadravam-se em duas circunstâncias determinantes: países em situação de guerra e países em paz e vias de desenvolvimento. Na primeira situação os trabalhos eram de acolhimento e acompanhamento de refugiados, em parcerias com a Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR | UNHCR), fornecimento e transporte de alimentos em parceria com o Programa Alimentar Mundial das Nações Unidas (PAM) e cuidados de saúde básicos e de emergência.
Em países onde em relativa Paz, os projetos são sobretudo nas áreas da educação, formação de professores, direitos humanos e saúde, de facto, de Desenvolvimento e de capacitação. Transversais são também as atividades pastorais que os voluntários integram como cursos bíblicos, catequese e animação de crianças e jovens.
3. Nos trabalhos do SDAM, começámos a depararmo-nos com uma limitação comum: Não podíamos desenvolver trabalhos mais estruturados, porque não havia meios… Apesar de muita boa vontade, de muito ou pouco entusiasmo, havia coisas que não podíamos levar a bom porto, porque custavam meios e pediam estruturas formais que não tínhamos.
O regresso de Missão era para os voluntários sinónimo de contágio e motivação, de querer fazer mais, depois de um encontro com uma realidade completamente distinta, mas que na qual queriam continuar a trabalhar, mesmo que à distância.
Surge a ideia da criação de uma estrutura, em forma de ferramenta de trabalho que já existia na sociedade, uma ONG, com sede em Aveiro, contrapondo ainda a existência da maior parte das ONGD ter a sede em Lisboa. Era necessário, localmente, criar uma estrutura dando campo de ação aos voluntários regressados de continuarem o seu trabalho e colaboração, ao mesmo tempo que discerniam a hipótese de partir em Missão de novo e por mais tempo.
Depois de algum tempo de formação em Roma, Itália, numa organização não-governamental italiana – o VIS – Volontariato Internazionale per lo Sviluppo, a ORBIS – Cooperação e Desenvolvimento tornou-se a materialização dessa ideia, uma ONG criada no ano de 2006, por voluntários missionários que fizeram experiências de missão de curta duração em Angola, Brasil, Cabo-Verde, Guiné Bissau, Moçambique e Timor-Leste.
Uma resposta concreta à necessidade de ir mais longe no trabalho do voluntariado internacional realizado até então.
Com a criação de uma ONG, capaz de gerar meios, procurar oficialmente recursos e aplicá-los na sua Missão e razão de ser, pegámos numa ferramenta que a sociedade possui – as ONGD. Com as ferramentas do mundo, intervir nele, transformando-o numa ótica cristã inseparável de uma ética de justiça social e de luta contra a pobreza.
Com a criação dessa estrutura, foi possível elevar o trabalho missionário a outro nível de eficácia que o voluntariado só por si não cumpriria tão bem. Além disso, criou-se um espaço de integração e acolhimento aos voluntários que regressam de Missão, para que com iniciativa possam desenvolver projetos de resposta e mitigação às necessidades do terreno onde estiveram a trabalhar.
Com o tempo, fomos adquirindo potencial, não em dinheiro mas em capital humano e institucional: foram-se juntando mais voluntários, estes foram trazendo e envolvendo mais pessoas, foram-se juntando instituições cada uma contribuindo com a sua parte no todo.
Na mobilização, foi acontecendo mudança e transformação. E o caminho está apenas e ainda no princípio. Desenvolvimento e paixão associada à Missão, sabemos sempre de onde partimos, mas nunca onde chegaremos.
Pedro Neto, presidente da Orbis