Homilia do Cardeal-Patriarca no Domingo de Ramos 1. A Liturgia deste Domingo de Ramos, início da Semana Maior, chamada Santa porque nela se celebra a Páscoa, convida-nos a mergulhar na verdadeira dimensão do Messias, o ungido do Senhor, esperado como libertador do Povo de Deus e salvador de toda a humanidade. Compreender a verdadeira dimensão da missão messiânica é mergulhar na realidade actual de Jesus Cristo, da Igreja que vive da Sua Páscoa e é o seu corpo, da humanidade contemporânea, tão necessitada de redenção. A esperança messiânica constitui dimensão central na espiritualidade de Israel. As referências nos textos sagrados ao Messias esperado, traçam aspectos complementares da missão desse ungido do Senhor: a glória e a grandeza da realeza, ele será o verdadeiro Rei de Israel que libertará o Povo de todos os seus opressores; o Servo obediente e sofredor, com ouvidos de discípulo, que carrega sobre os ombros os pecados do Povo; o Filho do homem celeste, que há-de aparecer sobre as nuvens do Céu, revestido da glória da divindade, inaugurando o triunfo definitivo de Deus. Cada uma destas dimensões da missão messiânica dera origem a tradições teológicas e espirituais específicas, sendo a do Messias sofredor a menos desenvolvida, porque mais exigente e incompreensível. Para estes grupos, cada uma destas dimensões definia o Messias, incapazes que eram de fazer a síntese das três num único Messias salvador. Os próprios acontecimentos daquela semana pascal, exprimem esta incapacidade de síntese. A multidão que aclama Jesus, como Messias Rei, nas ruas de Jerusalém, não suportará, como manifestação messiânica, a condenação à morte e o suplício da Cruz. Os próprios discípulos dispersam-se atordoados e escandalizados. E nem uns, nem outros, estão preparados para a surpresa da ressurreição, o verdadeiro triunfo do Messias, que realiza a grandeza do Messias Rei e a glória da Divindade. Essa visão profunda e total da missão messiânica só Cristo a tem, acompanhado de perto por sua Mãe Maria Santíssima. A oração angustiada, no Jardim das Oliveiras, mostra-nos que Jesus estava só com Deus, Seu Pai, ao abraçar a missão de Messias em toda a sua grandeza. Este é, também, o destino da Igreja. Quanto mais mergulha na profundidade da missão de Jesus Cristo, actualizando-a, isto é, dando-lhe a densidade de cada momento concreto da história da humanidade, mais fica só, com Jesus Cristo. Não pode esperar que o mundo a compreenda e a aplauda. Isso pode acontecer, em circunstâncias concretas, como Jesus foi aclamado nas ruas de Jerusalém. Mas aceitar a radicalidade da Cruz e a ressurreição de Cristo como único triunfo com sentido, não é fácil, mesmo para os cristãos. Também hoje, viver com radicalidade a Páscoa de Jesus, não vergar às exigências do mundo e oferecer, com Cristo, a dor que salva, é sempre uma experiência de solidão. Nunca como na Páscoa, a Igreja está só com Jesus Cristo. 2. Na Igreja a Páscoa é a verdadeira síntese de todas as dimensões da missão messiânica e salvífica de Jesus. A Carta de Paulo aos Filipenses é disso testemunho: de condição divina, aniquilou-se a Si mesmo, tomando a condição de Servo. Por isso Deus O exaltou e Lhe deu o Nome que está acima de todos os nomes (cf. Fil. 2,6-11). A condição de Servo foi anunciada, com pormenor impressionante, pela profecia de Isaías (cf. Is. 50,4-7), e descrita, com sabor de relato histórico, pelo evangelista São Lucas (cf. Lc. 22,14-23,56). Nesta síntese da nova Páscoa, praticamente desaparece o triunfo messiânico, como o que aconteceu nas ruas de Jerusalém. O verdadeiro triunfo messiânico exprime-se na obediência do Servo, que oferece a sua vida pelo resgate da multidão, e na ressurreição, que São Paulo mostra bem ser o ponto culminante da Paixão. A ressurreição de Jesus é a afirmação do verdadeiro fruto do sofrimento oferecido, e ao ser-lhe dado o nome de “Kúrios”, Senhor, Ele é, para todo o sempre, o verdadeiro Filho do Homem celeste, que um dia há-de manifestar a Sua glória a toda a humanidade, com a autoridade que lhe confere o facto de ser humano. Esta é a Páscoa da Igreja. O triunfo na praça pública, mesmo quando é espontâneo e sincero, é efémero, não traz a marca do definitivo, não exprime a verdade profunda de uma humanidade redimida. A Igreja é humana, vive no tempo, sabem-lhe bem os triunfos próprios deste mundo. Mas abraçar a Cruz exprime melhor a sua vitória. Os triunfos e as derrotas da Igreja não se medem com os critérios das vitórias e dos fracassos deste mundo. Os seus triunfos só podem ser a irradiação da glorificação de Cristo, exprimem-se na construção do Reino de Deus, silencioso e discreto, até à manifestação definitiva. 3. Assim, a Liturgia deste Domingo constitui, verdadeiramente, a introdução à celebração da Páscoa cristã, onde a Cruz e a Ressurreição mantêm a sua actualidade perene, expressões do triunfo do Messias Servo, a Quem a Igreja chama Senhor. Seria erro grave considerar a Cruz como realidade ultrapassada pela ressurreição. O Senhor da Igreja, o nosso Salvador, é, ainda hoje, até ao fim dos tempos, Cristo morto e ressuscitado. A humanidade continua em processo de redenção, o que exige a actualidade do sacrifício do Messias-Servo. A Cruz é realidade actual para Cristo redentor e para a humanidade redimida. Sobretudo na Eucaristia, Cristo continua a oferecer a Deus a sua vida pela salvação dos homens. A sua ressurreição revela a verdadeira dimensão do seu sacrifício, só possível com a força de Deus. A ressurreição é o sinal de que Deus aceitou o sacrifício do seu Filho e de que a humanidade está, verdadeiramente, redimida. Mas a Cruz exprime, também, o realismo do dom da Igreja. Identificada com Cristo, pelo baptismo, a Igreja oferece com Cristo e os cristãos podem viver o sofrimento e as provações da fé, unidos a Cristo, dando actualidade à sua Cruz. São Paulo exprimiu-o, com realismo impressionante, dizendo que os cristãos, no seu sofrimento, contemplam a Cruz de Cristo (cf. Col. 1,24). Ser discípulo é tomar a própria cruz e seguir o Senhor (cf. Mt. 16,24). Há uma dimensão universal nesta actualidade da Cruz de Cristo, vivida pela Igreja. A Igreja pode oferecer mesmo o sofrimento daqueles que não conhecem Cristo. A Eucaristia é a mais profunda resposta da Igreja ao sofrimento do mundo, donde brota a exigência da caridade. 4. A Liturgia deste dia, que começa com a evocação do triunfo messiânico de Jesus nas ruas de Jerusalém, conduz a Igreja para a profundidade humilde da Páscoa, denúncia de todos os triunfalismos humanos, afirmação da silenciosa esperança do grão de trigo que, morrendo, será fecundo. A Páscoa celebra-se na lógica do Reino dos Céus, que por enquanto é fermento na massa, essa jóia escondida e ignorada, que a Igreja encontra em cada Eucaristia que celebra. Sé Patriarcal, 1 de Abril de 2007 † JOSÉ, Cardeal-Patriarca