O verdadeiro Natal – O Natal dos simples, vivido na Calheta de São Miguel, Cabo Verde

Padre Nuno Rodrigues, missionário espiritano

O Verdadeiro Natal

Para muitos celebrar, hoje o Natal, não é mais que uma ocasião de festa e de convívio à volta da família onde se trocam prendas e surpresas uns com os outros. Uma quadra festiva onde o frenesim consumista atinge o seu auge. É a festa do Pai Natal. Pois bem, para o cristão o Natal é muito mais que tudo isto. É o celebrar o Deus connosco, um Deus que se fez homem e que quis habitar no meio de nós. É a festa do Nascimento de Jesus Cristo. E são estas grandes verdades que nos devem a todos envolver nesta quadra festiva com as quais nos devemos exultar de alegria.

Sem dúvida que o melhor e mais rico Natal que eu vivi até hoje, foi o primeiro Natal que experimentei aqui em terras de Cabo Verde no ano de 1998 quando cheguei pela primeira vez. O Natal mais condizente com o seu verdadeiro significado. Aqui experimentei, em todos os sentidos, o despojamento de um Deus que se faz homem, pequeno e humilde. Sem grandes luzes e cores, sem grandes consoadas e sem prendas, mas com uma viva missa do galo com mais de três mil pessoas a cantar em uníssono: Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens, hoje nasceu-nos o Salvador!

A preparação espiritual

Começamos a preparação do Natal com o mais importante, a preparação dos corações, do interior com as confissões. Falar e sentir a necessidade de se confessar hoje na Europa, é coisa muito rara, quase em desuso! Ninguém tem tempo para isso, a começar pelos Pastores! Aqui, durante um mês, fomos a todas as capelas do interior possibilitar o encontro com o Deus misericordioso. Muitos se confessaram, desde crianças a adultos. Um dia, chegando um velhinho, já com os seus 75 anos, com bengala na mão, à minha presença, dizia: Senhor Padre gostaria de me confessar pois não quero passar o Natal sem me reconciliar com Deus. Um velho, doente e com dificuldades de andar, que não deixou de vir procurar o essencial da sua vida.

Vigília de Natal

E eis que chegamos à grande vigília de Natal. Montamos o presépio ao vivo, não faltando o pequeno burro e vaca, bem como algumas ovelhas, e tudo estava preparado para celebrarmos a grande Missa do Galo. Estando a missa marcada para as 10 horas da noite, logo desde muito cedo as pessoas começaram a chegar vindas de todos os lugares e cantos da Paróquia. Foi aqui onde as pessoas centraram a vivência da sua consoada e festa de Natal. Estavam mais de três mil pessoas que enchiam todo o adro da igreja. Momento alto que a todos comoveu, foi o auto do nascimento de Jesus que foi feito na altura do Evangelho representado pelos nossos jovens. E eis que de Maria e José nos nasceu um menino Jesus! Um menino que era um bebé de um dos casais da nossa Paróquia recentemente casados! Terminamos a Eucaristia quando já era meia noite e meia. Momento de dar as boas festas uns aos outros e irmos para casa começar um pedaço de bolo.

Passagem de Ano

Depois do Natal, em breve chegaríamos ao fim de mais um ano. Depressa convidados as pessoas a quererem fazer a sua passagem de ano na igreja com uma grande vigília de oração de agradecimento e de petição. Na nossa Europa, talvez esta propostas não passaria de uma loucura! Passar o ano, sem reveillon, sem estar à frente da televisão ou com o champanhe na mão a fazer desejos para o novo ano?! Mas aqui é possível visto ainda se ter o sentido de Deus e sobretudo o entendimento cristão de que todo o tempo é dado e está nas mãos de Deus. Marcamos a vigília de oração para as 23h para permitir à meia noite estarmos na Igreja a assinalar a nossa passagem de ano. A igreja estava cheia de gente, muitos jovens e algumas crianças e adultos. Começamos por pedir perdão, louvamos, agradecemos e quando chegaram as dozes badaladas, tocámos os sinos da igreja e cantamos: Jesus Cristo, ontem, hoje e sempre. De seguida damos a Paz e desejamos bom ano ao nosso irmão.

Um gesto interessante das nossas crianças é o seu cantar tradicional das janeiras pelas várias casas. Apenas as crianças fazem isso. Não é um cantar como costumamos fazer na Europa mas com grande gesto de simplicidade. Constituem-se em pequenos grupos de 10 a 15 elementos, e depois eles próprios dão criatividade à feitura dos seus instrumentos: preparam todo o tipo de latas velhas com paus, latas com chocalhos dentro e sem grandes ensaios, passam pelas casas tocando e cantando em crioulo: “Óh dá, óh dá, si bu cá dam, n’tá manda jorge rabatá. Boa noite, bom ano, boas festas nem se é póco pa põe na mó”, em português quer dizer: olha dá-me, ou não, senão me dás vou mandar ao jorge (nome de um pequeno cão) tomar. Boa noite, bom ano, boas festas mesmo se for pouco para colocar na mão. E todos vem à casa dos Senhores padres pois eles dão sempre 10$cv e alguns drops (rebuçados), alguns até vem mais de uma vez!…

É este o Natal da manjedoura, é este o Natal dos simples.

Pe. Nuno Rodrigues, Cssp, missionário em Cabo Verde

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