Homilia de Natal do bispo de Santarém
1.Celebramos o Natal como promessa de luz e de vida que dissipa as trevas do medo, do desalento, do deserto da cultura actual. As iluminações, o calor do afecto familiar, a atenção ao próximo, a sensibilidade à paz, fazem parte integrante do espírito desta quadra. Assim expressamos o significado profundo do nascimento do Menino, meditado por São João no texto do prólogo do evangelho: “N’Ele estava a vida e a vida era a luz dos homens”.
Neste ano da fé, a promessa de luz do Natal adquire um significado mais profundo. De facto, a indiferença religiosa e o ateísmo criam um clima de relativismo, de confusão, de dúvida. Cada um pensa a seu jeito e todas as opiniões parecem ter o mesmo valor. Não podemos instalar-nos em ideias feitas mas procurar sempre a luz e a verdade, a bondade, o amor e a beleza. A luz verdadeira que todo o homem ilumina é o Verbo de Deus, que nos dá a conhecer o verdadeiro rosto de Deus, que nunca ninguém viu, e revela o homem ao próprio homem: “Nós vimos a sua glória, glória que lhe vem do Pai como Filho Unigénito, cheio de graça e de verdade”.
Quando descobrimos a luz de Cristo, encontramos uma fonte de esperança e de alegria, de renovação e de vida plena. Da sua plenitude todos nós recebemos graça sobre graça, afirma o prólogo. Sem Deus vivemos sem luz, sem referências sólidas, no vazio. Neste ano da fé somos convidados a redescobrir o tesouro da fé como luz e como vida., fonte de esperança e alegria. Como recomenda Bento XVI na Carta que escreveu para este ano: “Viver a fé como experiência de um amor recebido e a comunica-la como experiência de graça e de alegria” (PF 7).
Alegremo-nos porque o Verbo se fez carne e veio habitar connosco para nos revelar o mistério de Deus e o mistério do homem. Pela Sua Encarnação e pela Páscoa, renovou a natureza humana atingida pelo pecado. Apesar da nossa inclinação natural para o individualismo e egoísmo, para a vaidade e a inveja, o poder e a ambição, Cristo veio viver connosco e tornar possível a fraternidade, a verdade, o amor, a esperança. Como ensinava São Tomás de Aquino: “os homens são reconduzidos ao seu destino de felicidade através da humanidade de Cristo”. A felicidade é, de facto, o nosso destino. Fazendo-se homem, Cristo mostrou-nos, de forma concreta, o caminho para uma vida plena e feliz. Na mesma perspectiva pregava São Leão Magno num sermão de Natal: “Estando nós mortos para o pecado, fez-nos viver com Cristo para que fôssemos n’Ele uma nova criatura, uma nova obra das suas mãos…Deponhamos portanto o homem velho com as suas más acções e, já que fomos admitidos a participar do nascimento de Cristo, renunciemos às obras da carne”
2. “Aos que O receberam e acreditaram no Seu nome deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus”. A fé cristã é primeiramente o acolhimento de uma pessoa que nos comunica uma forma de orientar a vida. É o encontro com Cristo que nos leva a segui-Lo, a fazer caminho com Ele, a aderir ao seu evangelho. Quem verdadeiramente acredita transforma-se, vence o pecado, abre-se à esperança e ao amor. A fé é uma força que nos leva a viver como filhos de Deus em santidade e justiça: dá-nos o poder de nos tornarmos filhos de Deus e orienta-nos a viver como comunidade de irmãos, em atitude de serviço e partilha fraterna. Viver como filhos amados de Deus é amar o próximo como a nós mesmo, sobretudo os mais necessitados. Deus faz-se próximo para nos tornarmos próximos uns dos outros.
Somos actualmente confrontados com uma onda descrença. Desde sempre muitos não admitiram a luz, como esclarecia o prólogo: “A luz brilha nas trevas e as trevas não a receberam”. Se nos guiarmos apenas pela lógica humana encontramos sempre mistérios que não compreendemos. Há sempre argumentos para quem não quiser acreditar como há, por outro lado, fundamento para quem se dispuser a acreditar. A fé é uma experiência interior que se cultiva e cresce na medida em que é alimentada com a oração, a escuta da Palavra de vida, o conhecimento da mensagem cristã, a participação na comunidade, a prática do evangelho. O ano da fé é um convite insistente para vivermos a fé como experiência interior e conhecermos os seus fundamentos e conteúdos: “Em quem e porque acreditamos?”. O analfabetismo religioso é a grande lacuna que fragiliza a fé dos nossos cristãos. Verifica-se uma ignorância espantosa de elementos essenciais do cristianismo. Só amamos o que conhecemos. Só transmitimos as convicções fundamentadas. A nossa fé tem beleza, tem a consistência de séculos. Quanto melhor a conhecemos, mais nos encantamos com s sua sabedoria.
A leitura da carta aos hebreus, que ouvimos na segunda leitura, convida-nos a fixar a nossa meditação no mistério de Cristo enquanto momento culminante da revelação do mistério de Deus. Antigamente, ao longo dos séculos, Deus falou muitas vezes e de muitos modos aos nossos pais pelos profetas. A partir da Encarnação de Jesus, nos últimos tempos, Deus falou-nos pelo seu Filho, “esplendor da Sua glória e imagem da sua substância”.O Filho traz-nos a revelação plena e definitiva, mostrando uma imagem visível de Deus e comunicando a sua experiência íntima de comunhão com o Pai. Pela sua maneira de viver e pela sua pregação, Ele é Luz e vida dos homens. Iluminados pela Palavra poderemos vencer as trevas. Somos, portanto, incentivados ao contacto assíduo com a Sagrada Escritura, praticando frequentemente a sua leitura meditada e orante.
Contemplemos o presépio à luz da fé descobrindo no menino que nos sorri e estende as mãos, o rosto de Deus que nos ama e o rosto dos irmãos que pedem o nosso afecto e ajuda. Aprendamos no presépio a fraternidade e a paz.
Santarém, 25 de dezembro 2012
D. Manuel Pelino