Paulo Rocha, Agência Ecclesia
“A terra e a água valem muito mais do que as pessoas”.
A frase foi escutada recentemente no ambiente do deserto da Judeia, na Terra Santa. Lá, onde muitos acontecimentos já comprovaram essa afirmação, mesmo assim incapaz de suster a surpresa sempre que é dita. Na ocasião, apresentavam-se as idiossincrasias de povos e culturas com distintas pertenças, crentes e étnicas, manifestadas em convivências e sobretudo em confrontos ao longo de uma história milenar.
Naquele território, referido como eixo central de fluxos populacionais e comerciais entre continentes, continuam também hoje as perplexidades e as expectativas quando ao amanhã. E sempre com um horizonte de possível conflito que vitima pessoas. Apenas se procura a garantia de manter ou mesmo alargar a posse de terra e de água, mesmo que conquistadas de forma unilateral e delimitadas por fronteiras impostas através de muros desenhados em um qualquer estirador. Nestes casos, apenas se mantêm ativas pressões contra o outro, temendo “erupções” comportamentais a qualquer instante…
A mesma determinação pela conquista de terra e de água leva muitas outras pessoas a ultrapassar fronteiras, a se lançarem num mar de incertezas, esperando que na linha do horizonte estejam as condições de vida que tanto procuram na terra que pisam. Nestes casos, é ainda mais incerto o valor das pessoas, disperso por completo nas tentativas de ultrapassar o Mediterrâneo à “boleia” de ilusões vendidas por traficantes da imigração clandestina, com promessas e garantias à chegada que logo à partida são completamente impossíveis.
Os naufrágios no mar, que este ano já provocaram 50 vezes mais mortes do que no ano passado, mostram a ausência do valor da pessoa. Tanto das que morrem como das que provocam a morte. E estas são muito mais do que aquelas. No caso da imigração africana à conquista das costas da Europa, os vendedores de ilusões nos países de origem e os construtores de fortalezas nos de chegada atuam sempre à margem do valor da pessoa, da grandeza maior que, em qualquer momento da história, tem de determinar leis, políticas, decisões, opções: a dignidade da pessoa humana.
Há 40 anos, em Portugal, foi também o valor da pessoa, nomeadamente a garantia da liberdade e da justiça social, que motivou tensões quando foi necessário definir modelos de organização democrática. A abril de 1974 sucedeu-se um contexto de revolução, de confronto entre diferentes propostas para a construção de uma sociedade livre e fundada na expressão popular, nomeadamente pelo voto. O sucesso deste projeto, permanentemente em curso, tem na salvaguarda da justiça social e da dignidade da pessoa humana o principal indicador…
O mundo oriental, África, a bacia do Mediterrâneo, a Europa e todos locais do mundo nunca poderão escapar a um desafio essencial: encontrar estratégias de valorização da pessoa humana, de salvaguardar da sua dignidade. E caso seja necessário saber como fazer, basta ler o que foi dito pelas Pessoas divinas, há dois mil anos…
Paulo Rocha