Octávio Carmo, Agência ECCLESIA
“Crer não é satisfazer-se, não é ter as soluções nem ter encontrado as respostas. Crer é habitar o caminho, habitar a tensão, viver dentro da procura”. A frase pertence a D. José Tolentino Mendonça, futuro cardeal, que me habituei a ler e respeitar há vários anos. Do seu pensamento saem muitos desafios sobre o que é pensar a fé no mundo de hoje, com maior capacidade de valorizar a experiência do caminho.
Sendo previsível, a escolha do Papa Francisco confirma um percurso próximo de periferias culturais e antropológicas, nas quais o testemunho da ferida, da pergunta, do que corta o interior de cada um, é ponte para o diálogo, para o encontro, para o serviço.
O novo cardeal português fala da fé como um “paradoxo” em vez de “um bunker, um lugar de certezas”. Lembro-me em particular de uma conferência, em Braga, na qual saiu a ideia de rejeitar a ideia de Cristianismo como “solução barata” para aliviar as dores e os problemas da existência. Testemunhar o ‘Deus Ferido’ – como diria outro pensador católico de referência, o sacerdote e escritor checo Tomás Halík – remete para a dimensão da compaixão, do Deus que ‘sofre com’ a humanidade.
No já famoso retiro à Cúria Romana, em 2018, D. José Tolentino Mendonça mostrava-se também próximo do pensamento social do Papa: “A sede dos nossos irmãos é um desafio a uma conversão ao essencial que contrarie a cultura do desperdício e da desigualdade social. A Igreja não tem de ter medo de ser profética e colocar o dedo na ferida”.
Há outra frase que me marcou muito, na sua reflexão sobre a necessidade de responder concretamente às questões da existência, a partir da experiência espiritual católica: “As viagens imóveis que fazemos, muitas vezes, são as peregrinações maiores, as mais decisivas”.
O Papa Francisco escolheu como colaborador um pensador – poeta, biblista, ensaísta, teólogo no sentido mais pleno da palavra – que defende uma Igreja para todos e que sabe o valor da dúvida como chão comum na busca espiritual da humanidade, o tempo da saudade de Deus, como escreve. Num tempo de respostas rápidas, superficiais e que não geram compromisso, face ao Outro, é absolutamente necessária esta valorização do interior: um ponto imóvel fundamental, para a deslocação pendular do viver.