O Trabalho à luz da Doutrina Social da Igreja

 Daniela Sofia Neto, Diocese de Coimbra

No primeiro de maio assinala-se o Dia do Trabalhador, uma data que evoca as lutas históricas pelos direitos dos trabalhadores. Muitas vezes esquecida quando se celebra esta data é a referência aos princípios da Doutrina Social da Igreja. A Carta Encíclica Rerum Novarum (1891) do Papa Leão XIII atenta precisamente sobre a condição dos operários e procura responder aos desafios levantados pela Revolução Industrial do século XIX, denunciando as condições de exploração a que estavam sujeitos. Num tempo marcado por graves desigualdades e pelo crescimento do capitalismo industrial, esta carta encíclica defende o direito dos trabalhadores a um salário justo, a condições dignas de trabalho, à organização sindical e à proteção dos mais vulneráveis. É um momento decisivo em que a Igreja começa a propor um caminho alternativo, contrário ao individualismo egoísta e a um coletivismo opressor, tendo como fito pilares como a solidariedade e a subsidiariedade.

A Doutrina Social da Igreja continua a interpelar-nos com urgência, sobretudo num momento em que o Estado Social dá sinais de fragilidade pela precarização laboral, pelo agravamento de desigualdades sociais que criam tensões e a fragmentação coletiva. Soma-se ainda o impacto de uma transformação tecnológica a um ritmo frenético, que tem vindo a traduzir-se em reconfigurações no mundo do trabalho, muitas vezes sem salvaguardar a dignidade humana.

Para falar no Dia do Trabalhador é preciso também olhar com coragem e lucidez para novas formas de exploração e exclusão que atravessam o mundo do trabalho nos dias que correm. A precarização tornou-se uma norma silenciosa: contratos temporários, salários precários e uma cultura que banaliza horários prolongados e imprevisíveis, como se mais nada devesse existir nas nossas vidas além do trabalho. Ao mesmo tempo, milhares de pessoas sobrevivem em regimes de economia informal, que as deixam altamente desprotegidas, sem proteção social, sem acesso à segurança no emprego, aos cuidados de saúde ou à reforma. Estas são condições invisíveis até para os sistemas destinados a protegê-las. Importa ao mesmo tempo olhar para a “cultura do descartável”, que trata os trabalhadores como peças descartáveis, sobretudo os mais vulneráveis (e.g. jovens, migrantes, idosos, pessoas com deficiência). Este modelo económico, centrado no lucro, na eficiência técnica e na produtividade a qualquer custo, desumaniza.

É sobre esta realidade que a Carta Encíclica Fratelli Tutti, escrita pelo Papa Francisco (2020), nos convida a refletir e propõe-nos olhar para o mundo com compaixão e coragem. Num texto centrado na fraternidade e na amizade social, sugere um equilíbrio entre o capital e a dignidade humana, entre a técnica e a ética, e entre a produção e a partilha solidária. Lembra-nos que o trabalho só é verdadeiramente humano quando respeita a dignidade de quem o realiza e contribui para o bem comum. Afinal, não há progresso se esquecermos a sociedade como um todo e os indivíduos que a compõem.

Daniela Sofia Neto
Comissão Diocesana Justiça e Paz de Coimbra

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