Homilia do Cardeal Michele Giordano, Arcebispo de Nápoles, em Fátima HOMILIA DE SUA EMINÊNCIA O CARDEAL MICHELE GIORDANO, ARCEBISPO DE NÁPOLES Diz-se – e talvez seja verdade – que a fidelidade é hoje um valor em crise. Somos capazes, sem dúvida, de entusiasmos e de dedicações generosas; menos capazes de as manter inalteradas ao longo do tempo. Somos capazes de ímpetos momentâneos: menos capazes de arriscar a vida para sempre. Assistimos a um desafio de generosidade, em momentos de emergência; vemos menos gente capaz de um sacrifício contínuo, ligado ao ritmo quotidiano da vida, que, muitas vezes, parece banal e monótono. Nisto, há o risco de comprometer tudo, porque só vale aquilo de dura. O Evangelho deste Domingo faz-nos assistir à progressiva deserção dos seguidores de Jesus. À medida que caminha para a cruz e que as exigências radicais do Evangelho se tornam mais claras, cria-se o vazio à volta dEle. Porém, no meio de muitos que se vão embora, há um grupo de fiéis que fica, o grupo dos Doze. Pedro, que é o porta-voz de todos, exclama: “Para quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna” (Jo 6, 68). Fazem a mesma profissão de fidelidade os hebreus, interpelados por Josué: “Longe de nós abandonar o Senhor para servir outros deuses” (Js 24, 16). É verdade que não manterão o empenhamento, e que até “os Doze” não estarão junto da cruz, salvo um, João. Mas também é verdade que um pequeno “resto de Israel” manterá acesa a chama da fidelidade a Cristo, culminando em Maria, “a fiel”; e que “os Doze”, depois do Pentecostes, serão fiéis a Jesus até ao martírio. Isto nos é proposto para imitarmos. A fidelidade é uma decisão que tem de ser defendida, se necessário, “com os dentes”, ao longo do tempo e do seu inevitável desgaste. Portanto, na base da fidelidade há um momento de decisão. Faz-se uma escolha, da qual brota um empenhamento. Na vida de cada dia, fazemos tantas pequenas escolhas, marginais e periféricas, que não incidem muito no nosso comportamento de fundo. Mas há momentos fortes em que se impõe uma escolha irreversível que compromete a vida: um “rubicão”, do qual não se volta atrás. Tais escolhas situam-se em profundidade, radicam-se naquilo que o Evangelho chama “coração” e dão uma orientação a toda a existência. Tal é a escolha de duas pessoas que decidem casar-se ou do jovem que dá o passo para o altar, para ser sacerdote de Cristo. Esta opção assume tal importância que todas as outras escolhas se radicam nela e dela se tornam a expressão concreta. Torna-se o centro de interesse: o que não nasce daí e fica à periferia não faz com que a pessoa se sinta realizada no que há de mais original. Normalmente, a escolha fundamental compromete a pessoa. E quando essa pessoa é Deus, que vem ao nosso encontro em Cristo Jesus, então a opção torna-se absoluta e ilimitada: porque Deus é Deus, e o compromisso com Ele agarra todo o ser, todas as fibras do coração. Comprometendo-se com Jesus, os apóstolos fizeram assim, e isto é tão verdadeiro que, para O seguirem, deixaram tudo. Mas a escolha tem uma outra característica: é dinâmica. Não se pode fazer uma vez por todas, como se fosse uma adesão, da qual, uma vez assumida, não tenho mais que me ocupar. A Cristo escolhemo-lo no baptismo como sentido último da vida e com Ele nos comprometemos. Mas Ele continua a falar através do seu Evangelho. Através dos acontecimentos, Ele revela sempre novos projectos. Lido hoje, aquele Evangelho pede sempre coisas novas. Não basta ter dito “sim” uma vez. É preciso renová-lo em cada dia. E isto é a fidelidade. O amor dos esposos permanece vivo, enquanto renovarem em cada dia o seu compromisso. O compromisso com Cristo permanece vivo, na mesma condição. Parece claro que o factor decisivo é o tempo. O tempo é um mestre de fidelidade, porque nele há duas características: não só passa mas também permanece. Exerce a sua acção inevitável de desgaste, mas revela também a solidez dos empenhamentos. Vale o que dura. A fidelidade é talvez a dimensão mais importante do amor. Prova que no amor está empenhado o fundo do ser e não só a epiderme da sensibilidade. O mundo de hoje tem necessidade de recuperar sobretudo este valor: ao nível humano e ao nível da fé. São precisas pessoas fiéis aos seus compromissos, até ao fim, custe o que custar, e crentes que nunca desarmam, mesmo na perseguição.
