José Santos Cabral, Diocese de Coimbra
Ao longo dos últimos anos o nosso país foi abalado pelo desencadear de investigações criminais que, tocando o núcleo do sistema politico e económico, indiciam uma criminalidade grave de natureza económico-financeira e colocam em causa os próprios fundamentos do regime democrático. Em ultima análise está em causa a denominada “Patrimonialização do Estado” na qual uma minoria, com evidente carência ética, procura instrumentalizar o mesmo Estado em seu proveito próprio.
O tempo passou e, não obstante tal circunstância, muitos dos processos iniciados com tais investigações continuam a percorrer um penoso caminho, sem que se vislumbre o momento de uma decisão. Em alguns deles deparamo-nos com investigações que demoram décadas, instruções, julgamentos e recursos que perduram por vários anos. A culminar tal estado de coisas surgem agora noticias de que em alguns dos mesmos processos, como é o caso da denominada Operação Marquês ou do caso BES, e relativamente a alguns crimes, está prestes a ocorrer a sua prescrição.
Tal situação gera um sentimento de incompreensão, quando não de profundo desalento, sobre o funcionamento do Sistema de Justiça e, nomeadamente, sobre a forma como o mesmo lida com a responsabilização criminal de quem se situa na orla do poder.
Efectivamente, a existência de um processo criminal decidido em tempo razoável, focado na descoberta da verdade e com salvaguarda dos direitos individuais, convoca os princípios básicos de um Estado de Direito e a confiança dos cidadãos no funcionamento das instituições.
A gestão do bem precioso que é o Tempo, e aqui falamos do tempo no Sistema de Justiça, não se compadece com uma discricionariedade, fruto de uma visão voluntarista, em que está ausente qualquer ideia de responsabilidade pela eficiência da Administração da Justiça perante a Comunidade. Essencialmente, falamos de um prolongar no tempo que não é admissível em função dos princípios que regem o direito penal do qual o processo penal é instrumento. Na verdade, se a celeridade na conclusão do processo é do interesse do arguido e por tal motivo foi erigida em garantia constitucional, igualmente é certo que a mesma existe em função do interesse do ofendido e da Comunidade. Sendo condição fundamental para a realização dos fins do Direito e das sanções penais consubstancia igualmente uma componente essencial do Estado de Direito, estando intimamente relacionado com o processo equitativo ou com o devido processo legal
Para além do direito subjectivo a uma Justiça em tempo útil que assiste a cada cidadão, pelo simples facto de o ser, também a Comunidade necessita de uma Justiça pronta. A paz social fundamenta-se, também, no pressuposto de que em tempo será feita Justiça. Porém se o processo se arrasta por tempo demasiado, gera-se frequentemente a ideia de ineficiência, incompetência ou de parcialidade implicando o descrédito no funcionamento do Sistema Judicial.
Fundamentalmente, o prolongamento excessivo do processo traduz-se na subversão do principal fim das penas – prevenção geral positiva – e mesmo de frustração da prevenção geral negativa o que contribui para o aumento da criminalidade, dando lugar à instabilidade social a que acresce a ideia da impunidade e o descrédito na Justiça. Numa tempestade perfeita, com a degradação provocada pelo decurso do tempo, vem à superfície tudo aquilo que não deve suceder e desde a erosão da prova até á prescrição do procedimento criminal é toda um panorama que induz a ideia de ineficácia da Justiça.
Perante a constatação das ineficiências, quantas vezes fruto de uma displicência na gestão processual ou da perversão na utilização de garantias legais, causa espanto que, depois de tantos apelos e declarações proclamatórias acerca da necessidade de mudança, o poder político persista em ignorar o problema e demonstre inércia em atualizar a legislação processual de molde a que as “regras do jogo” não comprometam o apuramento da verdade material em prazo razoável, salvaguardado que seja o núcleo inultrapassável dos direitos de defesa dos arguidos,
Como afirma o Papa Francisco “O estado de direito deve ser garantido pelas autoridades “independentemente dos interesses políticos prevalecentes” e, quando se baseia em valores universais, “as pessoas têm acesso à justiça e as sociedades são mais estáveis e prósperas”.