Daniela Sofia Neto, Diocese de Coimbra
Num cenário político cada vez mais mediático, acelerado e marcado por um agitar de atenção, as campanhas eleitorais tornaram-se um verdadeiro “tempo das promessas”. Há palavras que se repetem tanto, que quase nem nos lembramos do peso que carregam – “Esperança”, “Futuro”, “Confiança”. Habituamo-nos, por estas alturas, aos discursos de mudança, aos slogans cativantes, às formulas de apelo popular e ao frenesim de promessas. Mas, afinal, que tipo de vínculos sociais estão a ser convocados neste “tempo das promessas”?
Hoje, mais do que nunca, a política alimenta-se da imagem, da gestão das emoções e da eficácia estratégica. As campanhas eleitorais são agora meticulosamente planeadas por equipas de marketing, sustentadas por sondagens e pelo estudo de perfis de eleitorado. Com uma estratégia devidamente pensada e planeada, procuram criar identificações simbólicas, mobilizar emoções e despertar sentimentos de pertença – ainda que efémeros.
A sociologia clássica oferece-nos uma lente interpretativa útil para analisar este fenómeno. No final do século XIX, Ferdinand Tönnies distinguiu dois modos fundamentais de organização social: Gemeinschaft (comunidade) e Gesellschaft (sociedade). O primeiro descreve formas da vida social baseadas na proximidade e nos laços afetivos e duradouros – como a família, a aldeia ou até a paróquia. É o espaço da confiança mútua, da palavra empenhada, do “nós” que se constrói em relações duradouras. Já a Gesellschaft corresponde a uma organização social mais racional, burocrática e mecânica – como o Estado, o mercado ou os próprios partidos políticos. Representa uma forma de convivência mais impessoal e funcional, típica da modernidade urbana. Na Gemeinschaft, as promessas nascem da confiança mútua; na Gesellschaft, são contratos negociáveis, feitos muitas vezes com vista ao benefício próprio.
As campanhas eleitorais, enquanto rituais políticos com o fito de conquistar votos, oscilam entre estas duas formas de organização social. Por um lado, invocam símbolos comunitários – a “nossa terra”, a “união”, “todos juntos” – tentando criar uma aparência de proximidade e de pertença. Por outro, funcionam como engrenagens da Gesellschaft, onde tudo é planeado para maximizar resultados – votos, visibilidade, capital político – e operando numa lógica instrumental, onde a estratégia e o marketing ganham um peso significativo perante os símbolos comunitários.
É aqui que a Doutrina Social da Igreja também pode oferecer um olhar crítico. Com base em princípios como a dignidade humana, a solidariedade e a subsidiariedade, propõe a recusa pelo individualismo desmesurado e o coletivismo cego. Recomenda uma visão relacional da sociedade, onde a política é um serviço que se presta à comunidade e não uma carreira. No tempo das promessas, a Doutrina Social da Igreja ajuda-nos a perceber que não são as promessas mais sedutoras que mobilizam (ou deveriam mobilizar) os cidadãos, mas saber ouvir e agir com coerência. Prometer não pode ser apenas persuadir – tem de ser comprometer-se com responsabilidade e ética. Prometer o que se pode cumprir e cumprindo verdadeiramente o que se prometeu, com discernimento, responsabilidade e sentido de comunidade.
Daniela Sofia Neto
Comissão Diocesana Justiça e Paz de Coimbra
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