Rui Caria diz que é do silêncio, mas o fotojornalista que esteve 40 dias na Ucrânia, depois da invasão da Rússia a este país da Europa, é também das palavras: é do simples e do profundo, é do espanto e do extraordinário nas fotografias que capta e publica, é da paz e do silêncio que as estradas dos Açores lhe oferecem, ou da bruma e da tempestade açoriana que tanto gosta e onde diz, aí talvez encontre Deus. Nesta conversa falamos do trabalho, que não foi só trabalho, na Ucrânia, do cheiro e das fotografia de rostos que por lá tirou, de outras tantas imagens que preferiu não captar para não mostrar, e do muito que as suas imagens não captaram mas mostram.
«Quando achamos que aquilo é normal, é perigoso. Quando achamos que ver gente morta pelo caminho é normal, é altura de vir a casa ou vir para casa»
«É muito fácil regressar ao cheiro e sobretudo não nos esquecemos do que pensamos quando começamos a cheirar certas coisas, como a morte. Começamos a tentar refletir sobre aquilo. Lembro-me de termos descoberto 11 corpos de soldados russos numa vala comum através do cheiro. Isso faz de nós animais? «Para o carro porque há aqui alguém morto», ou alguma coisa morta – também usamos este tipo de linguagem. Alguma coisa porque é o indefinido: um cão morto, um gato morto, um rato morto cheira ao mesmo que um homem ou uma mulher morte. Na morte cheiramos todos ao mesmo»
«A fotografia para mim é documento, eu não posso fazer arte com a desgraça dos outros. Os conceitos da fotografia fazem-me andar atrás das fotografias. Para ser fotografia temos de olhar para as coisas como crianças, com a curiosidade de uma criança»
«(Já fotografaste Deus?) Ele sabia que eu não tinha resposta para isso. Ainda ando à procura de Deus. Não sei se acredito em Deus – espero que ele acredite em mim. A procura de uma presença aparece naturalmente na cabeça das pessoas, também na minha. Se vir uma trovoada, uma neblina ou uma bruma, uma tempestade nos Açores, ai parece-me que Deus existe, que Deus é isto. Acho que Deus são acontecimentos, são pedaços de coisas. Falo muito sobre a morte e a vida com o Júlio, mas surgem sempre mais perguntas. E as perguntas também nos fazem avançar».