Padre Vítor Pereira, Diocese de Vila Real
A Comissão Independente para o estudo dos abusos sexuais na Igreja propôs que se devia rever o sigilo do Sacramento da Confissão, para se poder denunciar crimes de pedofilia quando estes ali fossem revelados ou conhecidos. D. José Ornelas, Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, durante a audição parlamentar da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, na Assembleia da República, descartou imediatamente essa possibilidade, argumentando que “o segredo da confissão é tão velho como a Igreja e não vai mudar, isso posso garantir”. “Quando eu ponho a minha vida na mão de alguém tenho de ter a confiança de que essa vida é tida como preciosa e não para ser enxovalhada. Foi dita com a intenção de que é segredo e nós guardamos segredo, e sobre isso não voltamos atrás, porque seria negar e ser infiel e não ter respeito pela dignidade da pessoa que me confiou esse segredo. Esse segredo não é para mim, é para Deus e, portanto, eu não sou senhor dele”, acrescentou.
A Comissão Independente deu boas indicações e apontou caminhos para a Igreja enfrentar a pedofilia no seu seio, mas esta de quebrar o sigilo sacramental para os crimes sexuais é inaceitável. Todo o confessor tem o dever de guardar segredo sobre a confissão. Uma confissão é inviolável. O que se diz e ouve numa confissão exige confidencialidade absoluta e não há nenhuma lei humana e cível que a possa quebrar, sob pena de se pôr em causa a integridade, a natureza e a verdade do Sacramento da Confissão. Seria uma diabólica deturpação do sacramento transformá-lo ou instrumentalizá-lo com o fim de vasculhar e saber a vida das pessoas, descobrir crimes ou desvendar mistérios e segredos.
O Sacramento da Confissão existe para um penitente ou um pecador se converter a Deus e suplicar o seu perdão e a sua misericórdia, devidamente arrependido dos seus erros e dos seus pecados, e assim renovar a sua relação com Deus, com a Igreja e com os outros, renovar a vivência dos compromissos e exigências da sua fé. O que ali se passa é sagrado, só a Deus e a ele diz respeito. O confessor é um mero instrumento ao serviço do encontro e da misericórdia de Deus, guardando segredo completo da celebração. Perante um pedófilo, um confessor não poderá deixar de chamar a atenção para a gravidade do ato e de propor uma justa penitência e um sério caminho de conversão e mudança, pedir-lhe que se dirija às autoridades e responda pelo seu crime, mas jamais pode denunciar a pessoa. Não tem esse dever e esse direito, a partir da confissão. A Confissão está ao serviço da justiça de Deus e não da justiça dos homens. Jamais se poderia aceitar que a confissão se pudesse tornar uma ardilosa e manhosa conversa para apanhar infratores ou se disfarçasse de interrogatório policial.
Se deixasse de existir segredo na celebração do sacramento da Confissão, seria a morte do sacramento, que perderia a razão da sua existência e da sua celebração. Mas já que da morte do sacramento falamos, convinha que se fizesse alguma reflexão na Igreja sobre a celebração da penitência nos tempos atuais. Por muitas e variadas razões, é notório que o sacramento da Confissão está a passar por alguma crise. Os tempos mais agudos da pandemia não permitiram a sua celebração, quebrou-se alguma ligação ao sacramento, mas já estava em crise antes da pandemia. Muitos católicos estão a deixar de recorrer ao sacramento. Se noutros tempos se verificava muitas confissões e poucas comunhões, depois passou-se para muitas comunhões e poucas confissões, o que ainda vigora, apesar de já se notar o tempo de nem muitas confissões, nem muitas comunhões. Há um conjunto de cristãos que eu não consigo entender: os que nunca comungam, nem os que nunca se confessam. Se não comungam, por que é que não se confessam? E se não precisam de se confessar, por que é que não comungam? Deixemos a solução para o Espírito Santo. Importa é que não arrastemos o sacramento da confissão para a insignificância ou a inutilidade.
O mundo de hoje coloca-nos novas questões e desafios: hoje há uma maior sensibilidade para com a privacidade de cada pessoa humana e para com a vida íntima de cada um, apesar de, neste campo, a sociedade atual manifestar muitas contradições e incoerências. Vemos as pessoas a escancarar a sua vida privada, e até por vezes a sua vida íntima, nas redes sociais de forma exibicionista, desnecessária e imprudente. Seja como for, a sensibilidade está aí e temos de a respeitar. A vida privada e íntima não diz respeito só a cada um? Há necessidade de uma pessoa expor a sua vida a outra, por muito séria que possa ser essa outra pessoa, para se receber o perdão de Deus? Por outro lado, já vários católicos revelaram que sentem algum constrangimento na confissão auricular ou privada, até se chega a sentir vergonha, desconforto, acanhamento, e até aconteceram más experiências na confissão, e não me refiro a abjetos abusos sexuais, mas a conversas demasiado invasivas da vida, rigorismo do confessor, despropósito de temas, entre outras.
Sem deixar de celebrar a confissão privada para quem assim o desejar, penso não ser despropositado a Igreja criar outras formas de dar o perdão e celebrar a reconciliação, começar a pensar em celebrações comunitárias da confissão, onde se proporia às pessoas o confronto com a Palavra de Deus, uma oportuna e profunda revisão de vida e um minucioso exame de consciência, onde a Igreja convidaria os fiéis a fazerem um compromisso de mudança de vida e a reparar o mal e as omissões cometidas, e daria uma absolvição dos pecados, favorecendo um novo recomeçar na relação com Deus e com os outros, sem terem de o fazer de forma privada.