Introdução ao plano pastoral da Diocese de Aveiro Servidores do Teu amor, Senhor 1.A Igreja celebra este ano o quadragésimo aniversário da publicação da Encíclica Populorum Progressio de Paulo VI e o vigésimo aniversário da Encíclica Sollicitudo Rei Socialis de João Paulo II. Estes textos constituem marcos significativos da Doutrina Social da Igreja e afirmam conteúdos essenciais do pensamento e do agir cristãos. A Diocese de Aveiro, consciente da realidade do mundo concreto onde se insere, uma realidade que procura conhecer, amar e evangelizar, centra agora a sua atenção pastoral nos mais pobres. Traça-nos o caminho deste nosso plano pastoral o amor misericordioso do Pai. Anima-nos neste propósito pastoral o Evangelho de Jesus que nos envia a proclamar a Boa-Nova aos pobres. Ilumina-nos no nosso agir o magistério mais recente da Igreja que desde Leão XIII com a Encíclica Rerum Novarum, de 1891, até aos nossos dias tem oferecido ao mundo um manancial inesgotável de doutrina que urge conhecer e praticar. O triénio pastoral que agora se conclui, e desde 2005 se desenvolve, procurou colocar-nos como “Igreja serva e pobre, em estado de missão e de conversão, Igreja que se alimenta da Eucaristia, dá testemunho de Jesus Cristo no mundo, procura evangelizar a Família e se coloca ao serviço dos mais pobres”. Todos sabemos que nenhum trabalho desta dimensão estará algum dia concluído e nenhuma missão deste âmbito será alguma vez terminada. Mais do que concluir um triénio pastoral pertence-nos consolidar iniciativas e propostas acolhendo os dinamismos que brotam do Espírito Santo e assumindo os desafios pastorais que o Concílio Vaticano II e o II Sínodo Diocesano nos relançaram e que urge nunca esquecer. Os pobres não podem esperar 2.A pobreza é um mal. A este mal humano e social a Igreja responde com o imperativo da justiça, com a ousadia da caridade e com uma proposta evangélica de bem-aventurança (Mt. 5,3). A Igreja nunca foi alheia, indiferente ou insensível ao fenómeno da pobreza e ao drama da miséria. As pessoas que sofrem a falta de pão, de casa, de saúde, de liberdade, de paz e de esperança são pessoas humanas concretas e irrepetíveis. Frente ao sofrimento causado pelo mal e pelo pecado, a Igreja muniu-se de misericórdia e bondade, expressas de forma tão bela na parábola do Filho Pródigo (Lc. 15). Face às lágrimas e dramas dos que não têm nada nem ninguém, a Igreja envolve-os com a caridade terna e criativa que faz de todo o homem e mulher nossos irmãos. Diante da violência e da exploração, a Igreja lança-nos um alerta, tantas vezes pioneiro e nem sempre compreendido, que nos lembra que a justiça é um imperativo a que ninguém se deve eximir e que “o desenvolvimento é o caminho da paz” (PauloVI). O silêncio da sociedade diante das injustiças sociais é responsável por inúmeras situações de exploração e de pobreza. Os pobres têm o direito de continuar a bater à porta da Igreja e de a encontrar aberta: no acolhimento fraterno que lhes é dado, no pão repartido, na paz reencontrada e nas formas múltiplas e plurais que as instituições sociais cristãs tão generosamente lhes oferecem. Quantas vezes somos a sua única porta e a sua única voz! Diante de situações de urgência e de emergência e face a tantos constrangimentos de carácter administrativo, jurídico e financeiro apetece-nos dizer: deixem-nos fazer bem o bem. Os pobres não podem esperar. Quanto tempo se perde e quantos pobres deixam de ser atendidos em acordos adiados, em respostas silenciadas e em decisões tardias? “Vós que ouvistes o apelo dos pobres na aflição, vós que vos empenhais em responder-lhes, vós sois os apóstolos do bem e do verdadeiro desenvolvimento” (Populorum Progressio, 86). O dom da caridade 3.A caridade representa o maior mandamento evangélico e o mais efectivo imperativo social. Manda-nos amar como Deus ama e respeitar o outro nos seus direitos. Exige a prática da justiça e só a caridade nos torna capazes de a praticar plenamente. Inspira-nos e dá sentido e valor a uma vida de doação, a tantas vidas dadas a Deus por amor dos irmãos (Cf. Catecismo da Igreja Católica, n.º1889). Aqui radica a vivência da caridade e a opção preferencial pelos pobres a que a Igreja tem sido tão sensível e atenta. A fé implica a prática da caridade. A Igreja proclama diariamente o cântico do Magnificat louvando o Deus da Aliança que “exalta os humildes” e “enche de bens os famintos” (Lc. 4,18). Faz-nos bem recordar as palavras do Apóstolo S. João: “Se alguém, possuindo os bens deste mundo, vê o seu irmão na necessidade e lhe fecha o coração, como permanecerá nele o amor de Deus” (1 Jo 3,16-17). Ao comentar esta carta de S. João, o bispo Santo Agostinho diz-nos: “S. João afirma: não amemos por palavras e linguagem, mas em actos e verdade. A questão é de saber em que actos e verdade reconhecemos aquele que ama a Deus e que ama o seu irmão”. E Santo Agostinho conclui: “é necessário colocarmo-nos diante de Deus para julgar a intenção com que agimos” (Tratado VI, 1-Pág.277). A recente Encíclica “Deus caritas est” de Bento XVI assume, de forma nova e numa linguagem actual, a mensagem evangélica de sempre e relança-nos com determinação e coragem no caminho que a Igreja nunca perdeu: o caminho do amor a Deus e do serviço aos irmãos. Aqui se consubstancia o essencial e o mais sublime da vida e da missão da Igreja. É ainda Bento XVI que na Exortação Apostólica Pós-Sinodal sobre a Eucaristia Sacramentum Caritatis nos recorda que a Eucaristia é pão repartido para a vida do mundo. Escreve o Santo Padre Bento XVI: “Devemos denunciar quem delapida as riquezas da terra provocando desigualdades que bradam ao céu. É impossível calar diante das imagens impressionantes dos grandes campos de deslocados e refugiados. Porventura estes seres humanos não são nossos irmãos e irmãs? Os seus filhos não vieram ao mundo com os mesmos legítimos anseios de felicidade que os outros? … pode-se afirmar que bastaria menos de metade das somas imensas destinadas ao armamento para tirar, de forma estável da indigência o exército ilimitado dos pobres”(Sacramentum Caritatis, 90). A verdadeira caridade brota do amor trinitário de Deus, fortalece-se na mensagem bíblica e no magistério da Igreja, alimenta-se na Eucaristia, consolida-se na vivência fraterna da comunidade cristã e deve ser universal, gratuita e criativa. Amar é um acto de fé 4.Amar como Deus nos ama e nos manda amar, amar ao jeito de Jesus segundo o espirito evangélico do mandamento novo é um acto de fé, é uma forma de acreditar e de tornar coerente e eficaz, em palavras e obras, a nossa fé. Assim, a caridade torna-se tantas vezes momento de conversão e é sempre acto e caminho de evangelização. O exercício da caridade é uma sábia e santa forma de evangelizar. A evangelização não se pode reduzir aos que se movimentam no espaço dos recintos sagrados dos nossos templos, mas deve enviar-nos com espírito criativo e dinamismo missionário a todas as pessoas, famílias, grupos e povos em ordem a fazermos da caridade cristã e da solidariedade afectiva e efectiva com todos “um sinal visível e expressivo da verdadeira Igreja de Jesus Cristo” e um testemunho inequívoco e imprescindível da nossa fé. “Sem acções a favor da justiça e sem solidariedade da Igreja a favor dos que sofrem, o Evangelho resulta incompreensível”, recorda-nos o Sínodo dos Bispos de 1974. O nosso modo de agir cristão e de viver a caridade contribuirá para uma imagem mais activa e participativa da Igreja, “casa e escola de comunhão”, fortalecerá a fé débil de muitos, reencontrará outros que se afastaram da Igreja e irá à procura de tantos que vivem a saudade de Deus. É que o mundo do religioso e dos que procuram Deus é mais amplo do que o âmbito estrito da Igreja. A caridade evangeliza a cultura e tudo quanto é humano e deve estar atenta a tantas vítimas da miséria proveniente de uma civilização do consumo, da aparência e da abundância. Deixemo-nos conduzir neste urgente serviço da justiça e da caridade pelo Espírito de Deus, que procede do Pai e do Filho, que actua no mundo e guia a Igreja. É urgente intervir 5.Centrar a vida pastoral de uma diocese no serviço dos mais pobres constitui uma proposta simultaneamente dolorosa e redentora que a ninguém deve deixar insensível, indiferente, neutro ou passivo. Esta proposta pastoral aproxima-nos de Jesus Cristo, servo e pobre, o Bom Samaritano e implica um desafio imenso na dimensão do acolhimento fraterno, da procura da verdade da justiça em tudo e sempre, da renúncia e do despojamento pessoais, da coerência de vida das comunidades cristãs, da autenticidade e da qualidade do serviço prestado pelas instituições sociais da Igreja, da visibilidade e do incentivo a dar ao voluntariado e às parcerias, da gratuidade e da partilha de todos os dons, da simplicidade humilde da aceitação do outro, da urgência da educação na escola da caridade e da disponibilidade permanente para a formação humana, espiritual e profissional. Este decálogo enuncia dez de entre muitos outros compromissos pastorais que a Igreja de Aveiro é chamada a viver, a celebrar e a testemunhar ao longo deste ano pastoral. Convido toda a Igreja diocesana: presbíteros, diáconos, comunidades religiosas, consagrados e consagradas, famílias e comunidades cristãs a vivermos a “ousadia da caridade”, de que nos falava João Paulo II, com os mais belos sentimentos cristãos de confiança, de responsabilidade e de comunhão. A Igreja preocupa-se mais com a fidelidade ao Evangelho do que com o êxito dos seus planos ou com o sucesso das suas iniciativas. A confiança e a coragem cristãs sustentam-se na oração perseverante de todas as horas e aí se alicerçam as propostas, os caminhos e os objectivos pastorais em cada momento delineados. Servem-nos de paradigma para esta opção pastoral de evangelização, e para este serviço da caridade, da comunhão e da corresponsabilidade as comunidades cristãs dos tempos apostólicos (Act. 2,16-21). Confiemos hoje e sempre à Mãe de Deus e Mãe da Igreja e a Santa Joana Princesa, nossa Padroeira, os caminhos e os horizontes pastorais que nos propomos percorrer como Igreja de Jesus Cristo em Aveiro. Aveiro, 21 de Setembro de 2007 + António Francisco dos Santos, bispo de Aveiro.