Homilia do Bispo de Aveiro na Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus, e Dia Mundial da Paz 1- Ao iniciar convosco, irmãos e irmãs desta Igreja diocesana de Aveiro, o Ano de 2007, a minha primeira palavra e o meu coração voltam-se para Deus, em jeito de súplica e em forma de oração, como outrora fizera Moisés a favor do Povo de Israel: «Abençoa-nos e protege-nos, Senhor. Faz brilhar sobre nós a Tua luz. Volta para nós os Teus olhos e concede-nos a paz.» ( Num. 6, 22-27). “Deus enviou-nos o Seu Filho” (Gál. 4,4), Verbo eterno do Pai. “Nele estava a vida e a vida era a luz dos homens”( Jo. 1,4-5). Ao Filho de Deus foi dado o nome de Jesus, como nos lembra o texto do Evangelho agora proclamado (Lc.2,20) . Filho de Deus e nascido de Mulher, Jesus “estava sujeito à Lei, para resgatar os que estavam sujeitos à Lei e para nos tornar filhos adoptivos de Deus (Gál.4,5). Os textos litúrgicos da Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus que hoje celebramos conduzem-nos, com a beleza e serenidade da mensagem da Palavra bíblica, ao acolhimento e à aceitação deste mistério santo do Filho de Deus que, por Maria, Sua Mãe, se fez nosso Irmão e Salvador. A liturgia de hoje ajuda-nos a descobrir que as bênçãos de Deus se transformam em bênçãos de paz, porque o Filho de Deus, de Quem há uma semana celebrávamos o Natal, é verdadeiramente o Príncipe da paz. 2-A Igreja associa à Solenidade litúrgica de Santa Maria, Mãe de Deus, a celebração do Dia Mundial da Paz. Na mensagem que nos enviou para este dia, o Santo Padre Bento XVI dirige ao mundo saudações de paz e convida-nos a centrarmos o nosso pensamento e a nossa reflexão na “pessoa humana, coração da paz”. Ninguém estranha que o Santo Padre faça chegar os seus votos de paz aos governantes e responsáveis das nações e a todos os homens e mulheres de boa vontade. Todos compreendem, também, que ele pense com particular afecto “em quantos se encontram em tribulação e em sofrimento e em quem vive ameaçado pela violência ou espezinhado na sua dignidade” ( Mensagem, n.1). Talvez nos surpreenda que Bento XVI dirija os seus votos de paz “às crianças que, com a sua inocência, enriquecem a Humanidade de bondade e de esperança” e que “pensando precisamente nas crianças”, também em vós crianças da Diocese de Aveiro, escolhesse como tema da sua mensagem “ a pessoa humana, coração da paz” (idem n.º2). Urge recolocar a pessoa humana, a sua dignidade essencial, a sua vocação e a sua missão no centro de um humanismo integral, onde a construção e a promoção da paz sejam o necessário caminho que prepara e abre um “futuro sereno para as novas gerações” (idem, n.1). A pessoa humana é o alicerce sólido de um mundo sustentado na “razão e não na irracionalidade”, afirma O Santo Padre com renovada, lúcida e persistente determinação (idem, n.3). Construir a paz, ser pacífico segundo as bem-aventuranças, não nos permite silenciar a voz da vida, o clamor dos frágeis ou o olhar suplicante dos condenados, nem nos deixa alheios às lágrimas dos que sofrem, ao abandono dos esquecidos, e à tristeza dos ignorados e excluídos da nossa sociedade. Construir a paz é acolher um dom e cumprir uma missão: é fazer desabrochar no coração de cada pessoa “ a capacidade de viverem uns ao lado dos outros, tecendo relações de justiça e de solidariedade…A paz é dom de Deus mas é, também, tarefa humana (idem, n.2).” Criado à imagem e semelhança de Deus (Gén.1,27), o indivíduo humano possui a dignidade de pessoa e como tal é chamado a viver uma aliança sagrada com o seu Criador e uma efectiva comunhão com as outras pessoas. Aqui se radica uma “lógica moral” e um paradigma ético qual “ gramática escrita no coração do homem pelo seu Criador” e expressa em directrizes do direito natural “acolhidas para realizar fielmente o projecto universal divino inscrito na natureza do ser humano” (idem, n.º3). 3- A paz que encontra o seu coração na pessoa humana exige que se estabeleça uma “ clara fronteira entre o que é disponível e o que não é, e alerta-nos para que ninguém ouse dispor da pessoa humana arbitrariamente “ (idem.4). Isto não significa coarctar direitos mas sim respeitá-los. É no respeito pelos direitos de todos que se enraíza e cresce, se alicerça e constrói, se fundamenta e desenvolve a paz. Ao longo dos séculos, a paz teve sempre uma sustentabilidade frágil e recebeu ameaças permanentes. Acresce, hoje, a este endémica fragilidade uma certa indiferença face àquilo que constitui a verdadeira natureza do homem, desde a sua concepção até à sua morte natural. O ano que hoje se inicia vai oferecer-nos múltiplas, importantes e indeclináveis oportunidades de colocar a paz, a esperança, a defesa da vida e o próprio destino e futuro da família humana no seu coração natural e insubstituível, que é a pessoa humana. Isso só é possível se percebermos que cada pessoa humana é peregrina da verdade que está no íntimo da sua própria consciência. Uma consciência esclarecida, responsável, bem formada e coerente com a sua fé. A Igreja não pode calar esta verdade que recebeu do Verbo eterno, do Filho de Deus, vida e luz para a Humanidade, como nos lembra o Santo Padre Bento XVI. A Igreja não se cansará nunca de ser promotora da paz, o que implica necessariamente ser defensora corajosa e determinada da vida, da dignidade, da transcendência e dos valores inalienáveis da pessoa humana. Sustentados pela oração insistente e perseverante a favor da vida e da paz, os crentes sabem que a vida só se defende e promove a paz só se consegue e constrói com “ o coração cheio de coragem, de bondade e de esperança” (idem, n.º17). Conforta-me pessoalmente, como servidor do Evangelho das bem-aventuranças, esta palavra do Santo Padre e dá renovado alento às motivações profundas e às convicções firmes que apresentei na mensagem que vos dirigi, no passado dia 8 de Dezembro, dia da minha entrada na Diocese, ao desejar que o meu ministério episcopal seja um ministério pautado pela bondade, pela esperança e pela comunhão. Desejo vivamente que este espírito e estes sentimentos de bondade, de esperança, de comunhão e de paz se transformem em motivações pastorais e em convicções de fé de todas as comunidades cristãs, dos sacerdotes, diáconos, consagrados e consagradas, das famílias cristãs e dos fiéis da Diocese de Aveiro, para que sejamos uma Igreja, âncora de esperança e de comunhão e farol de luz, de fraternidade e de paz para crentes e não crentes. Pertence-nos ser criativos nos caminhos pedagógicos que percorremos ao serviço da pessoa humana como coração da paz, impregnando de espírito de bondade e de esperança os nossos itinerários educativos, os nossos percursos catequéticos, as nossas programações pastorais, os nossos contributos evangelizadores, os nossos gestos proféticos e os nossos testemunho cristãos pessoais e comunitários. 4-A coragem com que defendermos a vida; a lucidez com que mediarmos os conflitos; o caminho que percorrermos para aproximar os desavindos; a disponibilidade com que acolhermos quem nos procura; a capacidade de perdoarmos sem medida nem cálculos; o exercício da compaixão da reconciliação e da misericórdia; o gosto, o encanto e a alegria das bem-aventuranças; o ânimo evangelizador e o testemunho da generosidade e da fidelidade dos nossos sacerdotes, diáconos e consagrados; o exemplo das famílias cristãs, santuários de vida e comunidades de amor, em que se reflecte o rosto de um amor feliz e fecundo constituem um dom abençoado e insubstituível que a Igreja oferece à Humanidade. Só assim pode crescer no mundo “a árvore da paz”. No oceano imenso da necessidade e da urgência de paz, quer a Igreja de Aveiro respondendo ao apelo do Santo Padre nesta Mensagem “fazer-se ao largo”, com Deus ao leme, para que cada homem e mulher, cada idoso, jovem ou criança seja coração da paz e cada família, cada mãe e cada pai sejam sempre berço da vida, acolhida com generosidade tantas vezes heróica e com respeito sempre sagrado. 5-Ao jeito de S. Francisco de Assis, o incansável construtor da ecologia da paz, o contemplativo da natureza e da vida e o cantor dos dons e das criaturas de Deus, também eu sinto vontade de rezar, em nome de cada um dos diocesanos desta amada Igreja diocesana de Aveiro. «Faz-me, Senhor, instrumento de paz, da Tua paz. Para que em cada pessoa humana eu veja um irmão e sinta um coração de paz. Mostra-me, Mãe, Senhora e Rainha da paz, o Teu Filho, Príncipe e Caminho da paz. Ensina-me, Mãe, a ser firme nas convicções, coerente no testemunho cristão e corajoso na promoção da paz, na defesa da vida e no anúncio do Evangelho das bem-aventuranças. Concede-me, Santa Joana Princesa, Irmã e Padroeira, neste ano que hoje começa e que desejo feliz e abençoado para todos, o segredo do silêncio, o valor da oração, o caminho da santidade e a capacidade empreendedora e pastoral para fazer desta Cidade e Diocese escola e santuário de mensageiros da paz, de servidores do Evangelho da Vida e de verdadeiros discípulos de Cristo, Filho de Deus e Príncipe da paz. Amen. Feliz e abençoado Ano de 2007. +António Francisco dos Santos, Bispo de Aveiro