Homilia do Cardeal Patriarca nas Ordenações de Diáconos Ainda ecoam no nosso coração os hinos de louvor à glória de Jesus Cristo, Rei do Universo e Senhor da Igreja, que é, na Sua glória de ressuscitado, a garantia da nossa salvação e eis que a Liturgia nos convida a retomar o ritmo da História da Salvação, toda ela centrada no Senhor que nos dá a vida. Não é a lei do eterno retorno, com que os gregos explicavam a História, mas a consciência da perenidade do presente de Jesus Cristo, Ele que enche a História. Nesta circularidade do Ano Litúrgico, mais do que “representar” o tempo da expectativa da vinda do Messias, celebramos o ritmo da nossa caminhada de fé, ao encontro de Jesus Cristo. Não apenas a aventura individual de cada um de nós, mas o destino de toda a Igreja e de toda a humanidade. E como são diferentes as etapas e a situação de cada cristão e de cada homem, nossos contemporâneos, frente a Jesus Cristo, o Senhor que a todos quer encontrar e salvar. Muitos desconhecem-n’O, e torna-se urgente o anúncio; outros já acreditam n’Ele, mas conhecem-n’O mal, não aprenderam a contemplar o Seu rosto e a deixar-se tocar pelo Seu coração amoroso e estes exigem, da Igreja, uma acção pastoral centrada no aprofundamento da fé e na pedagogia da oração. Outros amam-n’O, seguem-n’O como discípulos, comprometeram com Ele as suas vidas e esperam poder, um dia, participar da Sua glória. Estes precisam de se sentir enviados e fazerem sua, abraçando-a com amor, a missão do próprio Jesus. É esta longa e diferenciada caminhada da humanidade para Jesus Cristo que nós celebramos na Liturgia, toda ela centrada na plenitude de Cristo, que nos atrai. Cristo atingiu a Sua plenitude, mas a humanidade ainda não; Cristo é Senhor da Igreja e comunica-lhe a vida, querendo saciá-la com a Sua própria vida, mas a Igreja ainda não recebe toda essa plenitude de vida; Cristo ama a Igreja como uma esposa, mas esta esposa ainda é infiel, não respondendo sempre à intimidade desse amor; Cristo está na glória do Pai e a Igreja, na melhor das hipóteses, consegue desejar essa glória. O caminho que é preciso percorrer até à plenitude de Jesus Cristo é mais longo que o caminho percorrido, no tempo da expectativa do Messias. Como então, a esperança é a força que nos ajuda a não perder alento neste longo caminho a percorrer. Só ela nos faz olhar mais longe alargando o horizonte da nossa vida e da vida de todos os homens e mulheres, nossos irmãos. O Profeta Jeremias, olhando para a sua Cidade de Jerusalém, que representava todo o Povo de Israel e toda a humanidade, vê brilhar sobre ela a luz dessa esperança, e traduz, num nome novo, essa nova esperança para Jerusalém. “Este é o nome que chamarão à Cidade: o Senhor é a nossa Justiça”. Este é o nome que desejamos seja, um dia, o nome de todas as cidades da humanidade. Ao dirigir-se à Europa em recente Exortação Apostólica, João Paulo II traduz esse nome da cidade por um outro: “Cristo é a nossa esperança”. Essa tradução só é possível, porque Cristo é a nossa justiça, porque a nossa esperança é a força que nos faz acreditar que um dia a justiça triunfará, não uma justiça qualquer, mas aquela que se alicerça na verdade e restitui a todos os homens a sua dignidade de filhos de Deus. É vocação da Igreja, ao iniciar cada Ano Litúrgico, percorrer, com um desejo renovado de fidelidade, este caminho ao encontro de Cristo, seu Senhor. E pela exigência da sua missão, ela só o pode fazer abraçando na sua esperança e no seu amor, a humanidade inteira. Alimentada pela esperança, ela é chamada a ser sacramento da esperança e sinal de um mundo novo. Na humildade da nossa fé, tomemos consciência dos sinais de esperança detectáveis na nossa Igreja de Lisboa, conscientes também, das nossas fragilidades e da distância que nos separa da plenitude de Jesus Cristo. Vós, queridos Ordinandos, sois um dos sinais dessa esperança. Só na humildade podeis fazer esta escolha e abraçar esta missão, na certeza de que, se o Senhor vos chamou, Ele não vos faltará, porque Ele ama a Sua Igreja e chamou-vos, movido por esse amor à Igreja, que é o Seu corpo. Acreditai que o amor de Cristo pela Igreja se concretiza em vós, passa por vós. Vós sereis, na nossa cidade, sacramentos vivos do amor de Jesus Cristo por esta Igreja. Ao agradecerdes ao Senhor, agradecei-Lhe, sobretudo, o Ele amar tanto a Sua Igreja e o ter-vos escolhido como testemunhas do Seu amor. O diaconado é um sacramento para o serviço, encarnação da missão de Cristo Servo. Servir e dar a vida será sempre, no meio dos homens, o anúncio da esperança. Em vós e através de vós, também a nossa cidade se poderá chamar “O Senhor é a nossa Justiça”, “Cristo é a nossa esperança”. Um outro sinal de esperança são aqueles e aquelas que desejam e se esforçam todos os dias, por crescer na caridade, querendo ir mais longe e mais fundo na comunhão com Jesus Cristo. Esse é o entusiasmo que Paulo comunica aos cristãos de Tessalónica: “O Senhor vos faça crescer e abundar na caridade uns para com os outros e para com todos”. Paulo reconhece que, seguindo os seus ensinamentos, eles se estão esforçando por agradar a Deus, mas acrescenta: “mas deveis progredir ainda mais”. É o desafio da santidade cristã, é a aventura da oração, é a fantasia da caridade. Não sabemos quantos são, mas acreditamos que são muitos, aqueles e aquelas que na nossa Diocese se esforçam, todos os dias, por ir mais longe nessa ousadia da caridade, na oração, na pureza de vida, no amor fraterno. Discretos por natureza, eles são a força silenciosa que fecunda a nossa Igreja e sustenta a nossa cidade. Quero saudar, neste momento, com uma ternura particular, os “missionários da oração”, que aceitaram o nosso desafio de serem, no seu sofrimento e na sua solidão, os primeiros enviados para a “missão na cidade” em que estamos empenhados e que já estamos a preparar. Esse é outro sinal de esperança. Sinto a nossa Igreja de Lisboa mais mobilizada para a missão, e com capacidade de testemunhar a esperança no meio da cidade. A celebração do “terço vivo”, a próxima inauguração do novo Centro Diocesano de Espiritualidade e a preparação das Comunidades para o Congresso da Nova Evangelização, são disso sinais. Com simplicidade e ousadia, temos de ser anunciadores da esperança na nossa cidade: proporcionando a cada cristão a alegria de ir mais longe, ao encontro do Senhor que está, do Senhor que virá, e comunicando a todos os homens a alegria e a força libertadora da fé: as desgraças anunciadas pelo Evangelho para os últimos dias ainda não pesam sobre a nossa cidade; mas bastam-lhe os problemas que tem. Vivamos o Advento para anunciarmos que “Cristo é a nossa esperança”. Maria, que viveu a esperança na alegria da maternidade, ensinar-nos-á, a nós seus filhos, a esperarmos sempre, porque ela nos deu Jesus Cristo. Mosteiro dos Jerónimos, 30 de Novembro de 2003 † JOSÉ, Cardeal-Patriarca