O Sacramento do Perdão no Ano da Eucaristia

Mensagem Quaresmal de D. Maurílio de Gouveia e D. Amândio Tomás para a Arquidiocese de Évora Após a Encíclica “A Igreja vive da Eucaristia”, o Papa pediu para reflectirmos, este ano, sobre o mistério da Eucaristia, que perpetua no tempo o mistério da morte e ressurreição de Cristo, o qual, ao instituir a Eucaristia e ordenar “ fazei isto em memória de Mim”, pensava não numa simples refeição de amigos, mas num verdadeiro culto de adoração ao Pai, ‘em espírito e verdade’( Jo 4,24 ), pois “ o nosso Salvador instituiu, na última Ceia, na noite em que foi entregue, o sacrifício eucarístico do seu Corpo e do seu Sangue, para perpetuar no decorrer dos séculos, até Ele voltar, o sacrifício da cruz” (S C, 47 ). Anunciamos a morte, proclamamos a ressurreição e esperamos a vinda do Senhor, todas as vezes que celebramos o “sagrado banquete em que se recebe Cristo, se comemora a Sua Paixão, a alma se enche de graça e nos é dado o penhor da futura glória”. Neste ‘Mistério de Fé’, o Ressuscitado peregrina connosco e, sob as figuras do pão e do vinho, aquece o coração, esclarece a inteligência e revigora a vontade dos discípulos (Lc 24,13-35). Assim a Eucaristia é fonte e ápice da vida e missão da Igreja ( tema do próximo Sínodo dos Bispos ). Na Encíclica sobre a Eucaristia, o Papa fala do ‘Decoro da Celebração Eucarística’, da preparação de tudo o que deve convergir para o encontro com o protagonista da celebração deste ‘banquete’ sagrado que é Cristo, o Divino Esposo. E assim, “ a Igreja nunca cedeu à tentação de banalizar esta ‘intimidade’ com o Seu Esposo, recordando-se que Ele é também o Seu Senhor e que, embora ‘banquete’, permanece sempre um banquete sacrificial, assinalado com o sangue derramado no Gólgota ” (n.48). 1. – Quaresma tempo de conversão e imitação de Cristo A Quaresma prepara a celebração do Mistério Pascal, realizado uma vez por todas, com a morte e ressurreição do Senhor, e perpetuado na Eucaristia. A Quaresma é também o tempo propício para a renovação da mente, do coração e da vontade, para a conversão e reconciliação com Deus e com a Igreja, e uma boa ocasião para nos abeirarmos do Sacramento da Penitência. Na sequela de Jesus, durante a Quaresma, assimilamos e revivemos a experiência d’Aquele que a partir do baptismo do Jordão caminha para o ‘baptismo da Sua morte’ ( Mc 10,38; Lc 12,50 ). Contemplamos o mistério do Coração trespassado e aberto do Redentor do qual nasce a Igreja e provém toda a eficácia dos Sacramentos; e donde promana sangue e água ( Jo 19,34 ), símbolos da Eucaristia e do Baptismo. No Mistério Pascal, o testemunho concorde do Espírito, da água e do sangue ( 1 Jo 5, 5-8 ) manifesta o “ renascer da água e do Espírito” para entrar no Reino de Deus ( Jo 3,5 ). Na Morte e Ressurreição do Senhor reside a fonte e a causa da nossa reconciliação, no duplo aspecto de libertação do pecado e de comunhão de graça com Deus, como diz o Apóstolo: “ Cristo morreu por todos para que os que vivem não vivam mais para si mesmos mas para Aquele que por eles morreu e ressuscitou… Tudo vem de Deus que por meio de Cristo nos reconciliou Consigo e nos confiou o ministério da reconciliação ” ( 2 Cor 5,15 s ). 2. – A Reconciliação por meio da Igreja A Igreja, nascida do coração do Redentor é também sinal e instrumento ou sacramento universal de salvação ( L G,1 ). Ela é comunidade reconciliada e sacramento de reconciliação, como escreve o Papa, “ a Igreja tem a missão de anunciar esta reconciliação e de ser o seu sacramento no mundo”. Ora isso realiza-se de muitos modos e, em especial, mediante os sacramentos, que “ fazem a Igreja ( … ) e comemoram e renovam o mistério da Páscoa de Cristo e são fonte de vida para a Igreja e, nas mãos dela, instrumentos de conversão a Deus e de reconciliação dos homens ” ( Ex. Ap. Reconciliação e Penitência, 11 ). “Os Sacramentos estão ordenados para a santificação dos homens, para a edificação do Corpo de Cristo e enfim para prestar culto a Deus; e como sinais têm também a função de instruir. Não só supõem a fé, mas também a alimentam, fortificam e exprimem por meio de palavras e de coisas, razão pela qual se chamam sacramentos da fé. Conferem a graça, a cuja frutuosa recepção a celebração dos mesmos optimamente dispõe os fiéis, bem como a honrar a Deus como é devido e a praticar a caridade ” ( Conc. Vat. II, S C, 59 ). Cristo anunciou o Reino dizendo: “ Completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo: arrependei-vos e acreditai na Boa Nova” ( Mc 1.15 ). E a Igreja, continua a Obra de Cristo construindo o Reino e exortando à fé e à conversão, que são indissociáveis, pois a ‘mudança da mente e do coração’, a contrição dos pecados, a conversão a Deus e a reconciliação com Ele fazem parte do nosso programa de santidade ( cf. 1 Ped 1,14-16 ). Como o filho pródigo, temos fome e sede de nos reconciliar com Deus, pois todos sofremos a amarga experiência da ruptura, da alienação e ‘suicídio espiritual’ que é o pecado. 3. – A Reconciliação por meio do Sacramento da Penitência Nenhum Sacramento exclui, mas todos exigem a ‘ aversão ao pecado e a conversão a Deus ’. Entre eles, porém, está o da Penitência, do Perdão, da Reconciliação ou Conversão e também da Confissão, no qual se experimenta a alegria e o amor reencontrado e através do qual a reconciliação com Deus e com a Igreja se realiza e o perdão nos é assegurado. Se a Eucaristia “ é o antídoto que nos livra das faltas quotidianas e nos imuniza contra os pecados mortais” (DZ 1638), o Sacramento da Penitência é “ para todos os membros pecadores da Igreja, antes de mais para os que depois do Baptismo caíram em pecado grave e assim perderam a graça baptismal e feriram a comunhão eclesial (…) “ a segunda tábua ( de salvação), depois do naufrágio que é a perda da graça” ( Tertuliano,Paen.4,2; e CIC 1446). De facto, como diz o Papa : “o Sacramento da Penitência é a via ordinária para obter o perdão e a remissão dos pecados graves cometidos depois do baptismo” (Ex. Ap. Reconciliação e Penitência, 31). Hoje assistimos ao flagelo da ‘perda do sentido do pecado’, ao ‘eclipse, deformação, entorpecimento e anestesia das consciências’ e, como diz o Papa, à “ sujeição a modelos éticos impostos pelo consenso e costume generalizado mesmo quando são condenados pela consciência individual ” ( ib.18 ). Deste modo, justificando o injustificável, se acaba por operar uma inversão de valores, pois “ quem não tem a coragem de viver como pensa acaba por pensar como vive ”. E assim se opera uma cisão e oposição entre a fé sem impacto na vida e a vida vivida à margem da fé. Já o Concílio se dava conta desta incoerência cristã ao dizer que “ o divórcio entre a fé que professam e o comportamento quotidiano de muitos deve ser contado entre os erros mais graves do nosso tempo ” ( GS 43 ). Exortamos, pois, vivamente os fiéis e os ministros sagrados a abeirarem-se, com frequência, do Sacramento da Reconciliação, com amor, com fé e confiança, com ‘ coração contrito e arrependido’ ( Sal 50, 19 ), conscientes de que não é possível um verdadeiro culto e amor ao Santíssimo Sacramento da Eucaristia, tesouro demasiado grande para ser banalizado, sem um esforço e vontade de conversão e reconciliação e portanto, sem a prática fervorosa e frutuosa do Sacramento da Confissão frequente. A Eucaristia manifesta e realiza a Comunhão com Cristo e com a Igreja. A ela não se chega senão pelo Baptismo ‘porta da salvação’, nosso ‘bilhete de identidade’ e pela coerência, verdade e santidade de vida. Ora, dado que, “ se dissermos que não temos pecado, nos enganamos a nós mesmos e a verdade não está em nós” ( 1 Jo 1,8 ), resulta que, para nós pecadores, o Sacramento da Penitência, que nos assegura, por meio do ministro ordenado, o perdão de Deus e a reconciliação com Ele e com a Igreja, se converte numa necessidade em ordem ao acesso ao Sacramento da Comunhão ou Eucaristia. Esquecer e desprezar o Sacramento da Confissão redunda sempre em menosprezo do Santíssimo Sacramento da Eucaristia. O decoro com que esta se deve celebrar, fugindo à vulgaridade, ao arbítrio e à tentação de a manipular, exige de nós também o decoro interior, a ausência de pecados graves, para a receber dignamente, pois “ todo aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor indignamente, sem distinguir o Corpo do Senhor, come e bebe a sua própria condenação” ( 1 Cor 11,29 ). No Sacramento da Penitência Deus Pai, pelo Seu Espírito, faz-nos experimentar o ‘Mistério da Piedade’ ( 1 Tim 3,16 ) de Cristo, através do ministério visível do sacerdote, que, em nome de Deus, nos assegura o Seu amor e a Sua misericórdia, porque “ vimos e testemunhamos que o Pai enviou o Seu Filho como Salvador do mundo (…). E nós conhecemos e cremos no amor que Deus nos tem ” ( 1 Jo 4,14.16 ). 4. – Renúncia e Partilha A conversão a Deus não nos afasta dos outros, pelo contrário, converte-nos também a eles, pois, se dissermos que amamos a Deus e não amamos os irmãos mentimos ( 1 Jo 4,20 ). O Senhor quer ser servido, reconhecido e amado nos pobres, nos mais fracos, nos doentes e atribulados ( Mt 25,35-36 ). Queremos, por isso, convidar, mais uma vez. este ano, toda a comunidade diocesana e cada um dos seus membros à renúncia quaresmal e à partilha de bens, que tanto beneficiam um verdadeiro crescimento na fé. Na Mensagem Quaresmal, o Papa chama à atenção para o serviço aos idosos e para o respeito e defesa da vida humana, ‘desde o início até ao seu termo natural’, e para o ‘Dia Mundial do Doente’, faz um apelo a socorrer as vítimas do flagelo da Sida, que afecta cerca de 38 milhões de pessoas em todo mundo e que sobretudo “ semeia sofrimento e morte em numerosas zonas da África ”. A Sida, diz o Papa, é também uma “patologia do espírito” e “ para a combater de maneira responsável é preciso incrementar a sua prevenção mediante a educação para o respeito do valor sagrado da vida e para a formação na prática correcta da sexualidade”. Para além de a prevenir, é necessário ver em cada vítima uma pessoa imagem do próprio Senhor. Por isso o Papa repete o apelo da Exortação “ Igreja na África ”: ‘ levem aos irmãos e irmãs atingidos pela Sida todo o conforto possível, tanto material como moral e espiritual. Aos cientistas e aos responsáveis políticos de todo o mundo peço, com grande insistência, que, movidos pelo amor e pelo respeito devido a cada pessoa humana, não olhem a despesas na busca dos meios capazes de por fim a este flagelo”. Para combater a Sida, foi instituída no Vaticano a Fundação “ Bom Samaritano”, por isso, em sintonia com o Papa, propomos que as verbas obtidas da renúncia quaresmal deste ano sejam destinadas a debelar a epidemia devastadora da Sida. Pedimos à Caritas Diocesana para coordenar esta actividade, agradecendo a forma como tem coordenado as múltiplas iniciativas deste género, nos anos anteriores. E a toda a Comunidade Arquidiocesana, tão generosa, no ano passado, em socorrer as crianças do terceiro mundo e recentemente as vítimas da catástrofe do Tsunami, na Ásia, ousamos pedir também agora, que, com a sua renúncia, se mostre generosa para com os nossos irmãos vítimas deste enorme flagelo e epidemia da Sida. Évora, 1 de Fevereiro de 2005 + Maurílio de Gouveia, Arcebispo de Évora + Amândio Tomás, bispo auxiliar

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