O Sacerdote, sacramento de Cristo Bom Pastor

Homilia do Cardeal-Patriarca de Lisboa, na Missa Crismal de Quinat-Feira Santa Queridos Sacerdotes, 1. Ao dirigir-me a vós, membros do presbitério de Lisboa, nesta Eucaristia, expressão da abundância sacramental e salvífica da Igreja, recordo a maneira como vos consagrei a Nossa Senhora, naquela noite inesquecível do cortejo da Luz, no encerramento da sessão de Lisboa do Congresso Internacional para a Nova Evangelização. Foi assim que vos entreguei a Nossa Senhora: “Consagramo-Vos os nossos seminaristas e sacerdotes. Vós que correspondestes ao chamamento misterioso de Deus, ensinai-os a entregar-se confiadamente e sem limites à vocação a que Deus os chamou. Que sejam servidores como Vós fostes serva, que sejam felizes no seu dom, protegei-os nas suas lutas, iluminai-os nas suas dúvidas, defendei-os das tentações e do espírito do mundo. Eles “estão no mundo, mas não são do mundo!”. Ensinai-os a serem pastores, “sacramentos” de Cristo Bom Pastor, e a fazerem de cada Eucaristia um momento de júbilo e de louvor” (1). Ensinai-os a serem pastores, sacramentos de Cristo Bom Pastor. Essa é a dimensão mais bela do nosso ministério: sermos pastores do Povo de Deus. Mas este tem um único Pastor, Cristo que Se chamou, a Si Mesmo, o Bom Pastor: “Eu sou o Bom Pastor: conheço as minhas ovelhas e elas conhecem-Me. (…) Eu dou a vida pelas ovelhas” (Jo. 10,11). Nós só podemos ser pastores, como sacramentos de Cristo Bom Pastor. Ao consagrar-nos, Ele quer continuar a ser Pastor através de nós, com a nossa bondade e capacidade de dom, com a nossa palavra e os nossos gestos. Em tudo o que somos e fazemos deve exprimir-se a bondade de Cristo, a sua solicitude pelo rebanho, que é a Igreja. Ouçamos, a este propósito, as palavras do Papa João Paulo II: “Os presbíteros são, na Igreja e para a Igreja, uma representação sacramental de Jesus Cristo, Cabeça e Pastor, proclamam a Sua palavra com autoridade, repetem os seus gestos de perdão e oferta de salvação, nomeadamente com o Baptismo, a Penitência e a Eucaristia, exercitam a sua amável solicitude, até ao dom total de si mesmos, pelo rebanho que reúnem na unidade e conduzem ao Pai por meio de Cristo no Espírito. Numa palavra, os presbíteros existem e agem para o anúncio do Evangelho ao mundo e para a edificação da Igreja em nome e na pessoa de Cristo, Cabeça e Pastor” (2). Esta situação de sermos sacramentos do Bom Pastor, transforma e define a qualidade de todas as nossas atitudes. “Os presbíteros são chamados a prolongar a presença de Cristo, único e Sumo Pastor, actualizando o seu estilo de vida e tornando-se como que a sua transparência no meio do rebanho a eles confiado” (3). Esta é, já, a visão do presbítero, nas cartas do Apóstolo São Pedro: “Recomendo aos presbíteros que estão entre vós, eu presbítero como eles, testemunha dos sofrimentos de Cristo e participante da glória que se deve manifestar: apascentai o rebanho de Deus que vos foi confiado, olhando por ele, não constrangidos, mas de boa vontade, segundo Deus, não por ganância, mas por dedicação; não como dominadores sobre aqueles que vos foram confiados, antes tornando-se modelo do rebanho” (1Pet. 5,1-4). 2. Na nossa linguagem corrente, fala-se mais de pastoral, do que de pastores. A designação de pastoral significa que toda a acção da Igreja, na realização da sua missão, deveria exprimir a solicitude de Cristo pelo rebanho. Significa, também, que não apenas cada um de nós, mas a Igreja toda é sacramento de Cristo, Bom Pastor. Mas para que isso aconteça, é importante o testemunho dedicado dos sacerdotes, como pastores do Povo de Deus. Ser pastor não indica, apenas, mais um sector de actividade do sacerdote, na complexidade da sua missão no mundo contemporâneo. É qualidade que se exprime e concretiza em toda a sua acção, garantia da unidade vital entre o que somos e o que fazemos, no exercício do nosso ministério. A atitude do pastor revela os critérios e os ritmos das diversas tarefas e atitudes, define a missão e a maneira como nos vêem. Numa sociedade, a que se pode aplicar a frase de Jesus, dispersa, desorientada e infeliz, “como um rebanho sem pastor”, é importante que o sacerdote seja identificado como pastor. Ser pastor, exprime-se, antes de mais, na caridade pastoral, participação no amor com que Cristo ama a Igreja. O sacerdote pastor ama sempre e faz tudo com amor: quando acolhe, quando escuta e consola, quando orienta, quando se alegra com os que estão felizes e partilha a dor dos que sofrem; quando é exigente e quando é compreensivo e tolerante; quando ensina, todos e cada um a discernirem, no concreto das suas vidas, os caminhos do Reino de Deus. O sacerdote é pastor na sua missão pública, em que preside à comunidade dos crentes, e na sua vida privada, na intimidade dos seus silêncios, da sua oração, dos seus sentimentos e afectos. Um coração de pastor é um coração indiviso, transformado pela caridade de Jesus Cristo. A maneira como ama é libertadora, suscita no coração das pessoas a beleza e a esperança e alimenta o desejo de vencer as próprias dificuldades. Aqueles que o pastor ama, devem sentir-se amados por Deus. É neste quadro que se situa o dom inestimável do celibato consagrado e a sua consonância com a caridade pastoral: coração transformado pelo amor de Cristo, bom pastor também dos sacerdotes, pode amar todos, sempre e em todas as circunstâncias, sem deixar perturbar a pureza desse amor com a veemência dos afectos naturais. Num tempo em que o celibato é, cada vez mais, contestado e incompreendido, a única resposta do sacerdote é vivê-lo, na generosa vigilância do seu coração. 3. A caridade pastoral deve marcar o ritmo da autoridade do sacerdote. Como aquele que preside à comunidade, o sacerdote está revestido de uma legítima autoridade, que decorre da natureza da sua missão e é explicitada pelo direito. Autoridade firme na defesa da autenticidade da fé e da Igreja, na fidelidade aos caminhos de construção da Igreja, como Corpo de Cristo e Povo de Deus, definidos, quer pela Igreja Universal, quer pela Igreja particular, na fidelidade à tradição apostólica. Isto mostra que a autoridade pastoral do sacerdote não é individual, mas colegial, é expressão da condução da Igreja pelos caminhos e critérios da comunhão eclesial. Ela é, no sacerdote pastor, expressão da sua fidelidade à Igreja, é uma obediência, em que a fidelidade à Igreja é credencial da sua autenticidade. Desligada da comunhão eclesial, a autoridade resvala para o poder pessoal, que por vezes divide em vez de unir e fazer convergir. A autoridade pastoral valoriza os carismas de cada um, as potencialidades de cada um na edificação da Igreja, comunidade de todos e obra de todos, “casa de comunhão”, como lhe chamou João Paulo II. É frequente ouvir que a nossa Igreja é, ainda, demasiadamente clerical, onde os cristãos só têm o lugar e o protagonismo que o sacerdote decide. Penso que esta análise não é completamente justa. Mas ela interpela a nossa consciência. Hoje, Quinta-Feira Santa, analisemo-nos em confronto com a Páscoa de Jesus, para vermos se não haverá aí a denúncia das vezes em que a autoridade pastoral se torna em poder pessoal. 4. E, finalmente, tomemos consciência de que a vivência do nosso sacerdócio como sacramentos de Cristo, Bom Pastor, pode suscitar, na Igreja, novas vocações sacerdotais. Só Cristo atrai, só a bondade do serviço ao Povo de Deus inquieta o coração dos jovens. Ouçamos João Paulo II: “O conhecimento da natureza e da missão do sacerdócio ministerial é o pressuposto irrecusável, e ao mesmo tempo o guia mais seguro, bem como o estímulo mais premente para desenvolver na Igreja a acção pastoral de promoção e discernimento das vocações sacerdotais” (4). Suscitar de vocações sacerdotais é algo que nos deve mobilizar a todos. Mas antes de acções específicas a desencadear, há este testemunho da nossa vida de autênticos pastores, sacramentos de Cristo Bom Pastor. Sé Patriarcal, 5 de Abril de 2007 † JOSÉ, Cardeal-Patriarca NOTAS 1 – J. POLICARPO, Obras Escolhidas, vol. 9, pg. 46 2 – JOÃO PAULO II, Pastores Dabo Vobis, n. 15 3 – Ibidem, n. 15 4 – Ibidem, n. 11

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