Padre Miguel Lopes Neto, Diocese do Algarve, membro RedAlfamed e Universidade de Huelva

A Igreja Católica, com dois milénios de experiência na arte da comunicação, enfrenta, no século XXI, um dos seus mais complexos desafios: o continente digital. É necessário não só diagnosticar esta realidade com acuidade, como também lançar um apelo urgente à reflexão. O problema não reside tanto na capacidade técnica de usar as ferramentas, mas naquilo que é mais essencial à missão da Igreja: a literacia mediática e a coerência da mensagem.
Existe uma falha de literacia mediática no clero, que é transversal à sociedade, é um ponto de partida crucial. Há dificuldade em perceber que o ambiente digital deve ser espelho daquilo que acontece no ambiente físico. Esta dissociação é perigosa. Vemos o seu reflexo no fenómeno de presbíteros com mais seguidores nas suas páginas pessoais do que as paróquias que servem, indiciando uma sobreposição da personalidade digital sobre a missão comunitária. A questão não é a presença, mas o propósito dessa presença.
O mais preocupante, contudo, é a qualidade do conteúdo partilhado. O púlpito digital, por vezes, transforma-se num palco para discursos de ódio, divergências do próprio bispo, da própria Santa Sé. A ausência de filtros e a impulsividade das redes sociais fazem com que alguns clérigos atuem “sem travões”, dizendo no espaço virtual o que não diriam no ambiente físico da paróquia. Esta dualidade revela uma profunda incompreensão da natureza do meio: o digital não é um jogo, é real. As palavras online ferem, alegram, dividem e unem com a mesma força que as palavras proferidas em presença.
A incompreensível relutância em transmitir uma homilia, um conteúdo pastoral ponderado e preparado, contrasta com a facilidade em partilhar opiniões pessoais, por vezes polémicas e divisivas, que têm um impacto muito superior. Isto demonstra que o desafio não é tecnológico, mas teológico e pastoral.
A evangelização deve ser um “contínuo”, extravasando o reduto do fim de semana. A missão da Igreja acontece onde as pessoas estão, e hoje, elas estão massivamente online. A solução não passa por proibir ou temer, mas por formar. É imperativo dotar o clero de uma verdadeira competência mediática, que vá além do simples ‘postar’ e ensine a comunicar a mensagem do Evangelho de forma autêntica, construtiva e fiel, neste novo e vasto areópago.
O desafio não é apenas estar online, mas saber como estar, para que o púlpito digital não se torne um lugar de ruído, mas um verdadeiro espaço de encontro com a Palavra.
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