“O povo continua a sofrer…”

Missionário alerta para situação dramática em Cabo Delgado

Padre Kwiriwi Fonseca, da Diocese de Pemba, alerta, em mensagem enviada à Fundação AIS em Lisboa, para a situação de crise que se vive no norte de Moçambique, em consequência dos contínuos ataques terroristas na região de Cabo Delgado e da enorme dificuldade de a Igreja acudir a todas as pessoas em necessidade. O missionário denuncia igualmente que esta violência está a atingir também os Cristãos, que vêem as suas casas e capelas serem queimadas.

É mais um alerta para a situação extremamente difícil em que se encontram as populações em Cabo Delgado, no norte de Moçambique. O Padre Kwiriwi Fonseca, missionário passionista da Diocese de Pemba, enviou uma mensagem à Fundação AIS em Lisboa a alertar para o recrudescimento dos ataques terroristas e para o impacto que isso está a ter nas populações. “Nos últimos dias, tem havido ataques na região de Ancuabe, e movimentação [de terroristas] da região centro para a região norte”, o que está a provocar “um aparato militar para se poder escoltar as pessoas”. A denúncia deste sacerdote é corroborada pelo mais recente relatório do Acnur, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, que refere “a deslocação de quase 15 mil pessoas até ao dia 16 de Abril”. Segundo este documento, a que a Fundação AIS teve acesso, a maioria destes novos deslocados fugiu, entre outras, das aldeias de Nkole, Nonia, Muela, Ngura e Miegane. “Todos os deslocados internos recém-chegados mencionaram ter fugido na sequência de um ataque armado directo à sua aldeia”. Os ataques, pode ler-se ainda no documento da ONU, “envolveram pilhagens, incêndios de casas, raptos e assassinatos selectivos”.

Ataques também em Niassa e Nampula

Isto na província de Cabo Delgado. No entanto, têm-se registado também nos últimos dias movimentações de terroristas na província de Niassa, ao extremo norte também de Moçambique, com ataque a aldeias e a decapitação de pelo menos duas pessoas, assim como na província de Nampula, o que poderá significar um alastramento da violência para fora dos limites de Cabo Delgado. O próprio Governo dos EUA já veio alertar os seus cidadãos para reconsiderarem viagens à Reserva Especial de Niassa, a maior área protegida de Moçambique, com uma extensão que corresponde quase a metade da área total de Portugal. É por causa de tudo isto, da intensidade dos novos ataques, que o Padre Fonseca decidiu enviar uma mensagem à Fundação AIS em Lisboa como forma de alertar também o mundo para a situação extremamente grave que as populações enfrentam e para a necessidade de se ajudar a Igreja local, nomeadamente a Diocese de Pemba, que procura socorrer as vítimas do terrorismo. Importante mesmo, diz o sacerdote, é haver a consciência de que a violência continua a fazer parte do dia-a-dia nesta região norte de Moçambique, apesar de isso não ser já praticamente notícia. “O povo continua a sofrer. A Diocese de Pemba, através da Cáritas, tem feito um trabalho forte, e nós queremos agora denunciar a questão da relativização da guerra. O terrorismo continua, e denunciamos esta guerra, porque ela não pode continuar a castigar o povo, nenhum povo”, diz o Padre Fonseca.

“Capelas também são queimadas…”

O missionário passionista alerta ainda para o facto de que os ataques têm atingido também comunidades cristãs e que isso é visível, por exemplo, nas capelas queimadas pelos ‘insurgentes’ – nome por que os terroristas são também conhecidos localmente –, e que o povo está desesperado. “Os ataques indicam que muitos cristãos estão a sofrer, algumas capelas também são queimadas, as suas casas queimadas, os projectos sociais não funcionam, o povo continua no desespero. Estamos aqui não somente pedindo o vosso apoio, mas também as vossas orações, a vossa intervenção, para que o povo tenha a paz.” O sacerdote sublinha este ponto: a urgência da ajuda. “A miséria instalada em Cabo Delgado não é possível [ser ultrapassada] só com as mãos da diocese, que depende de recursos que vêm de fora para a Cáritas”, diz ainda o Padre Kwiriwi Fonseca. A mensagem deste sacerdote é, acima de tudo, um alerta para que o mundo não se esqueça de Cabo Delgado, não se esqueça de Moçambique. “A Diocese de Pemba precisa de ajuda, a Cáritas precisa de ajuda para que o povo tenha o que comer, onde se esconder. Nós não queremos a guerra, nós queremos a paz, nós queremos a paz…”, sublinha o Padre Fonseca na mensagem enviada para Lisboa, para a Fundação AIS. De facto, na província de Cabo Delgado, na Diocese de Pemba, a Igreja Católica é muitas vezes a única mão amiga para as populações locais. E, neste momento, com a conjugação das consequências desastrosas do Ciclone Chido, que em Dezembro arrasou mais de 100 mil casas, deixando ao relento milhares de famílias, e da actuação dos grupos terroristas, são já largos milhares de pessoas que precisam de ajuda urgente. Os grupos terroristas, recorde-se, afirmam a sua ligação ao Daesh, a organização jihadista Estado Islâmico, e já provocaram desde Outubro de 2017, quando começaram os primeiros ataques, mais de 1 milhão de deslocados e mais de cinco mil mortos.

Paulo Aido

(Os artigos de opinião publicados na secção ‘Opinião’ e ‘Rubricas’ do portal da Agência Ecclesia são da responsabilidade de quem os assina e vinculam apenas os seus autores.)

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