Cristina Sá Carvalho, Secretariado Nacional da Educação Cristã
O facto de este ser um verão que se adivinha carregado pela tempestade do nosso descontentamento e preocupação não deve ser motivo para o desperdiçar, mesmo que seja necessário passá-lo em casa. As férias têm o maior potencial educativo e as famílias devem usufruí-las como um tempo de aprender a ser e de aprofundar a intimidade.
Todas as grandes mudanças nos processos educativos familiares, ou a preparação para as novas etapas escolares devem ficar guardados para as férias, quando os pais estão mais descontraídos e disponíveis, quer se trate de alterar a alimentação do bebé, tirar as fraldas, antecipar a entrada na escola, festejar o ingresso na universidade ou no mercado de trabalho. Tudo pode, e deve, ser vivido com esperança, com interesse, com sentido de festa pois não há nada de mais promissor para a pessoa, as famílias e a sociedade, do que bem orientar as crianças e os jovens para os ver crescer com saúde e motivação para aprender e assumir novas responsabilidades. Numa época de crise e dificuldade isso ainda tem um valor mais insubstituível. Não percamos, pois, por falta de empenho ou imaginação, essa oportunidade fantástica.
A crise de valores que acabaria por nos arrastar para a crise económica e social que, agora, vivemos, teve sempre como bandeira e promessa de grande liberdade e modernidade, o enfraquecimento da família e o esvaziamento da sua capacidade educativa. Mas, não se adivinha milagre que nos devolva o sossego e a estabilidade económica se não mudarmos a nossa maneira de ser e de agir. Parece este esforço mais exigente para as famílias com filhos pequenos, e é-o, sobretudo se não podem contar com a rede de apoio de uma família alargada. Sozinhos, estamos muito desprotegidos mas as férias são, também, uma oportunidade de descobrir que somos capazes de reinventar uma rede comunitária de solidariedade e comunhão e tudo pode começar no prédio, no lugar, no bairro, se os pais de várias famílias se unirem para viver umas boas férias com os seus filhos e, de caminho, quiserem aprender uma vida mais equilibrada e mais feliz.
Em primeiro lugar, é preciso algum bom senso e evitar alterar em demasia as rotinas e os horários das crianças: convém manter as refeições e as horas de ir para a cama e adicionar uma bela sesta, deixando aos pais algum tempo livre. Depois, é importante que esse tempo livre possa ser, pelo menos uma vez, integralmente oferecido aos pais, pelo que é fundamental que as famílias estejam dispostas a receber – um dia, uma noite – as crianças de outra família e proporcionar aos seus pais um tempo sossegado e de adultos, para passear, ir ao cinema, para não fazer nada…
Depois, as férias são importantes para aprender a comer melhor e a fazer exercício. No nosso país há sempre a praia, fluvial ou marítima, respeitando os horários do sol benigno, e em quase todas as cidades também há piscinas, equipamentos desportivos e bons jardins, para nadar, correr, jogar à bola, passear. E, como há mais tempo livre, também é a altura perfeita para abandonar os pequenos-
-almoços industriais e os lanches de plástico, descobrindo o prazer antigo do pão com manteiga, da marmelada, das sobremesas e gelados feitos em casa. Até a pizza e demais comida rápida podem ser recriadas em família, com a colaboração de todos, porque é relevante que as crianças e adolescentes aprendam a ser autónomos e a participar nas tarefas caseiras, como cozinhar, limpar e arrumar. Bem entendido, salvo para ver cinema, a televisão e o computador podem muito bem ser fechados durante o período das férias.
Também não há necessidade de passar os dias a ver montras, o que pode até ser deprimente: o ideal é que os pais se juntem com outros pais para fazer, em conjunto, a gestão da roupa e do material escolar que vai fazer falta no ano seguinte, partilhando e trocando entre si o que sobra a uns mas é indispensável para outros. Reciclar está na moda e é uma moda muito saudável! Depois, organizando passeios aos saldos, munidos de uma lista que vai ser respeitada e deixando os filhos em casa, aproveitam para comprar mais em conta aquilo que é indispensável.
Finalmente, nos dias mais frescos ou em intervalos mais calmos, há muitos programas gratuitos, ou quase, para pais e filhos: explorar o conteúdo das bibliotecas, fazer visitas a museus, assistir a concertos de rua ou nalgumas instituições, preparar espetáculos organizados pelos grupos de adolescentes, um serão mostrando os dotes dos avós, dos pais, das mães. Facilmente uma varanda grande, um pátio, até a garagem de um prédio, podem ser esvaziados da tralha e montados como um auditório para contar histórias, fazer música, passagens de modelos com materiais reciclados, até sessões privadas de cinema a acompanhar de pipocas caseiras.
Por fim, quando setembro espreitar, chega a vez de nos prepararmos para um novo ano escolar e pastoral, ano esse que deve ser vivido com alegria, com esperança, com vontade de trabalhar e de crescer. Em culturas em que se dá o maior valor à educação das crianças e dos adolescentes, as famílias juntam-se para celebrar a entrada na escola dos mais pequenos, a transição de ciclo dos mais velhos. É uma ocasião de reunião feliz mas muito séria, em que cada criança ou adolescente recebe o seu novo material como um bem precioso e estimável, um penhor do esforço que a família e a sociedade colocam na sua educação, um tesouro que deve traduzir em aprendizagem. Nessas famílias acredita-se que a educação – familiar, paroquial – é um bem incalculável, a única garantia inabalável de que vamos ter um futuro melhor. Pois aqui fica o desafio de se criarem novas tradições que saúdem o bem incomparável que é a aquisição de conhecimento e de atitudes generosas. Para as famílias crentes, as férias e o novo ano que começa também são uma boa altura para aprender a rezar em conjunto, sobretudo para agradecer o que se tem e oferecer o que nos sobra. Votos de umas boas e corajosas férias, tempo de preparar um ano favorável, embora ambos possam ser de tempos difíceis.
Cristina Sá Carvalho, Secretariado Nacional da Educação Cristã