Intenção geral do Papa para o mês de Março Que se compreenda a importância do perdão e da reconciliação entre as pessoas e os povos e, através do seu testemunho, a Igreja difunda o amor de Cristo, fonte de uma nova humanidade 1. Perdão e reconciliação Perdão e reconciliação andam juntos. Nenhuma reconciliação entre pessoas, em comunidades divididas ou entre povos em luta, pode ter lugar se, antes, não se derem os passos necessários para o perdão. Não é, porém, uma tarefa fácil – não o é no âmbito das relações pessoais, menos ainda no âmbito das relações comunitárias ou entre povos, pois quanto maior é o número dos ofendidos (e quase sempre ambos os lados se consideram ofendidos), mais difícil se torna a gratuidade do perdão e, através dele, o restabelecimento de relações reconciliadas. Não há, apesar disso, outro caminho igualmente capaz de humanizar as relações entre as pessoas e os povos. Os factos confirmam-no diariamente: a violência pode ser, no momento, a única resposta a um agressor violento e injusto…; os muros podem, durante algum tempo, garantir tranquilidade e segurança…; a aplicação das leis civis é o caminho comum para sanar conflitos de interesses ou para “vingar” direitos ofendidos… Mas a reconciliação vai além disso, é uma relação sarada pela força do perdão, na qual as pessoas se voltam a olhar como tais e não como competidores, momentaneamente apaziguados pela força ou pelas conveniências. 2. Testemunhar o perdão de Deus Mais do que um acto momentâneo, o perdão é um modo de ser só ao alcance de Deus, tal como se deu a conhecer em Jesus Cristo: perdão total, definitivo e incondicional, para quem o queira acolher. Nós, cristãos, estamos chamados a aprender de Deus este modo de ser e a praticá-lo, tanto quanto nos seja possível, dando testemunho da nossa condição de gente salva pelo dom divino do perdão, concedido a toda a humanidade em Jesus Cristo. É um serviço que prestamos ao mundo, em vista à reconciliação de todos os seres humanos entre si e com Deus; não é, de modo algum, uma dádiva nossa aos outros – a dádiva é de Deus, nós somos apenas, devemos ser, testemunhas dela. Testemunho pela acção e pela palavra: agir como gente perdoada, que perdoa e aprende cada dia a perdoar; e falar, anunciando Aquele que nos perdoa e nos ensina a perdoar. A acção dá conteúdo à palavra. A palavra esclarece a acção, dizendo a sua origem. Deste modo, nem a nossa palavra será vazia, nem o nosso agir será equívoco. Uma e outro serão sinal da força de Deus, operando em nós e no mundo – uma força que não é a dos violentos nem a dos promotores do ódio e da intolerância, mas a força do Amor. 3. Difundir o amor de Cristo, renovar a humanidade Quando falamos de amor, não se trata de um sentimentalismo invertebrado nem de um romantismo estéril. E o mesmo se diga do perdão – não é para gente fraca, que perdoa porque não consegue impor-se. Um amor e um perdão desse género seriam apenas fonte de ressentimento e miséria espiritual e moral. O amor cristão é uma força poderosa, capaz de mudar o mundo – porque é à imagem do Deus Amor, que perdoa e faz novas todas as coisas. Tomemos o exemplo de Jesus Cristo. Disse: «Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos» (João 15, 13). E fez: amou-nos até à morte – e morte de cruz. E S. Paulo acrescenta: «quando ainda éramos pecadores é que Cristo morreu por nós» (Romanos 5, 8), ou seja, «quando éramos inimigos de Deus» (5, 10). Não há aqui nenhuma fraqueza. Pelo contrário, na morte de Jesus manifesta-se o máximo poder de Deus – o poder do Amor. Seria muito mais «normal» reagir aos violentos, exigir os seus direitos e vingar-Se dos seus inimigos – mas não seria Deus, seria um ídolo, à nossa imagem e semelhança. Deus é Outro – e nós, criados à sua imagem e semelhança, estamos chamados a ser como Ele. O único poder verdadeiramente cristão é o poder de Deus, isto é, o amor que perdoa. É um poder terrível, sobretudo para quem o exerce. Exige a renúncia constante ao orgulho, à insensibilidade, ao amor próprio, ao auto-comprazimento. Exige coragem para suportar o insulto, a mentira, o poder do mal. Exige convicção para anunciar os valores evangélicos e denunciar tudo quanto põe em causa a dignidade humana… mesmo ou sobretudo quando nessa denúncia se vai contra o “espírito do tempo” e os interesses dos poderosos deste mundo. Só esta coragem torna a Igreja capaz de difundir o amor de Cristo, o único que pode criar uma humanidade nova, reconciliada porque perdoada e capaz de exercer o poder supremo: o do Amor que perdoa sempre («setenta vezes sete» – Mateus 18, 22). Elias Couto