O Papa num país deprimido

Bento XVI não é um populista nem um superficial: vai ao fundo das coisas,aos valores essenciais

Bento XVI vem a Portugal numa altura em que a nossa sociedade se encontra descrente de si própria, desanimada, frustrada. Mas seria errado esperar do Papa um mero estímulo psicológico para animar um país algo deprimido.

É certo que não faltam por aí grupos ditos religiosos a afirmarem-se e a ganharem prosélitos com base nas suas virtua-lidades para levantar o ânimo às pessoas em crise. Mas não é de verdadeira religião que se trata. Lê-se na Caritas in Veritate: “O mundo actual regista a presença de algumas culturas de matiz religioso que não empenham o homem na comunhão, mas isolam-no na busca do bem-estar individual, limitando-se a satisfazer os seus anseios psicológicos” (n.º 55).

O imperativo da solidariedade, frequentemente lembrado por Bento XVI, apela ao contrário desse individualismo egoísta e auto-centrado. E sendo consoladores os gestos de solidariedade que numerosos portugueses tiveram face a várias tragédias recentes – como a da Madeira – não podemos esquecer que Portugal é um dos países europeus onde as desigualdades de rendimentos são maiores. Pior do que isso: tendem a acentuar-se com a crise. Não podemos fingir que tal não nos diz respeito.

Expectativas frustradas
O desânimo na sociedade portuguesa merece ser analisado, porque o Papa não o irá ignorar, embora reagindo de modo bem diferente daquelas “culturas de matiz religioso” que pretendem actuar como anti-depressivos. Uma parte da amargura actual de muitos portugueses tem a ver com expectativas frustradas, depois de durante anos terem sido estimuladas por um optimismo irresponsável dos governantes. Tantos esperavam melhorar de nível de vida e afinal…

Melhorar a condição económica de cada um é um desejo legítimo, sobretudo quando se parte de um nível de autêntica pobreza. E a subida do desemprego coloca hoje muitas famílias portuguesas em situação dramática.
Mas é difícil não ver na actual frustração de muitos uma excessiva, e por vezes quase exclusiva, importância dada ao bem-estar material e, porventura ainda mais, aos símbolos de ascensão social que a posse de alguns bens significa para muita gente. Ora o Papa contribuirá para dar aos vários valores em jogo na nossa vida o peso correcto, combatendo uma fixação doentia no que se tem designado por “individualismo possessivo” e chamando a atenção para aquilo que verdadeiramente importa: a doação de si mesmo ao serviço dos outros.

Falta de ética
A frustração portuguesa tem igualmente a ver com a situação política nacional. Alastra a descrença não apenas quanto aos políticos como noutras instituições públicas fundamentais, caso da justiça principalmente.
O que poderá fazer o Papa contra isso? Pois poderá recordar aos católicos as suas obrigações cívicas e políticas. É cómodo dizer mal dos políticos e ficar de fora, a assistir ao espectáculo. Mas essa não é uma atitude cristã. Todos nós somos responsáveis pelo bem comum. Não quer isto dizer, claro, que todos os católicos devam militar em partidos políticos ou aceitar cargos públicos. Quer dizer, sim, que não podemos alhear-nos da res publica – desde logo na oração.

E se nos incomoda, como deve incomodar, o baixo nível ético que hoje predomina na esfera pública, importa ter presente que a moralidade dos políticos e gestores públicos não é uma ilha: é basicamente a moralidade da sociedade de que fazem parte. Veja-se o caso da corrupção, que tanto gostamos de apontar como um cancro da nossa vida colectiva (e é-o, de facto). Os portugueses são permissivos quanto à corrupção, como veio confirmar um estudo recente. E como já sabíamos ao ver autarcas acusados e suspeitos em processo de corrupção serem alegremente eleitos.

Bento XVI não é um populista nem um superficial: vai ao fundo das coisas, aos valores essenciais. Se o soubermos escutar, algo mudará na sociedade portuguesa.

Francisco Sarsfield Cabral
Jornalista

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