O Papa e Fátima: uma relação especial

José Carlos Carvalho

Esta relação entre o sumo-pontífice e a mensagem de Fátima não surge como apêndice, mas faz parte integrante da mensagem aos Pastorinhos e justifica precisamente os motivos que levaram a que Fátima acabasse por se impor à Igreja e ao papado do século XX. Não foram os Papas que fizeram Fátima ser o que é e ter o relevo que tem, mas foi Fátima que os fez cá vir, o que faz de Fátima também um santuário papal, e neste sentido o papado do século XX ficou ligado ao santuário, reconhecendo-lhe a importância devida devido à pertinência da mensagem que aqui foi revelada a três crianças.

A beata Jacinta trata familiarmente o Papa como Santo Padre, e na terceira parte do dito Segredo surge essa figura vestida de branco. Jacinta rezava sempre no fim das Avé-Marias pelo Santo Padre, e na visão do inferno o Santo Padre é visto a sofrer. Numa das idas ao poço, Jacinta tem a visão do Santo Padre a sofrer, a ser injuriado. Pede para rezar por ele. Na loca do Cabeço, diz ter visto o Santo Padre a rezar diante do Imaculado Coração de Maria numa grande casa, símbolo e imagem da Igreja.

Como qualquer aparição mariana, a Igreja precisa de muito tempo para lhe reconhecer crédito ou não. No caso de Fátima, esta referência explícita ao Santo Padre, a oração por ele, e o facto de tal ser transmitido por três crianças que estavam dispostas a tudo para preservar esta verdade, de facto chamou a atenção desde os inícios para a seriedade das aparições por parte das autoridades eclesiásticas. Já dois papas visitaram nesse estatuto o santuário. Vem o terceiro, que conhece bem a mensagem de Fátima, pois até comentou e balizou a terceira parte do segredo aquando da sua apresentação. Mas a reactualização da profecia que Fátima é, implica todo o grande papado do terrível e violento século XX. Na verdade, o homem vestido de branco e a oração pelo Sumo-pontífice inserem a mensagem na mais lídima tradição magisterial da Igreja, e serve esta figura para representar (precisamente porque é real) toda a comunidade eclesial. A seriedade da mensagem, a sua coerência e integração plena no todo do corpo doutrinal da fé, as graças que em Fátima continuam a ser concedidas ao povo de Deus, a fé com que vive o santuário, o acolhimento imediato que recebeu a mensagem e o alcance universal que Fátima granjeou no seio do povo de Deus constituem sinais indeléveis que levaram os sumos-pontífices e a Igreja a reconhecerem relevância a esta mensagem e um alcance universal da mesma, o mesmo é dizer, uma projecção católica, não só do ponto de vista da projecção, mas sobretudo do ponto de vista da profecia que oferece novamente ao mundo e à Igreja. Por isso, em Fátima a Igreja encontra-se desde o seu filho mais universal que é o sucessor de Pedro.

Naturalmente que as referências na mensagem ao sumo-pontífice levaram a olhar com atenção o sentido dessas mesmas referências. Mas a própria história do século XX, com a perseguição sistemática à Igreja e com a crise das ideologias na respectiva crítica à fé, não deixaram de permitir uma leitura dos sinais dos tempos ajudando a essa leitura, a qual, à boa maneira apocalíptica, desvela o sentido com imagens cuja semântica vai para lá do momento da respectiva origem. Com essa linguagem simbólica, a Igreja em Fátima conseguiu ser ajudada a ler o século XX em toda a carga de dramaticidade que trouxe à humanidade, esse século por muitos já considerado o século mais violento da história da humanidade.

Consideramos que a união do filho mais universal da Igreja à mensagem de Fátima, para lá das referências explícitas nas aparições, resultam da consistência universal da mensagem que aqui foi deixada nos três ciclos das aparições. Ainda que acentuando alguns aspectos do mistério de Deus e da Sua acção na história, o forte convite à adoração eucarística na aparição do Anjo, o insistente convite à penitência e o anúncio dos desígnios de misericórdia que Deus continua a dispensar à humanidade situam-se em plena conformidade com a tradição neo-testamentária e com a tradição da Igreja, onde o próprio sucessor de Pedro se revê sem dificuldade. Por isso, a este santuário peregrinam todos os filhos da Igreja, mormente o seu filho mais universal, porque é mais um lugar católico, que não obstante a particularidade da sua história, configura uma mensagem universal, a qual, no caso da figura papal, não deixa também de a considerar, pronunciando-se mesmo sobre ela para dizer que no século XX e sempre ao longo da história, a figura papal e a Igreja são incompreendidas. No fundo, reactualiza-se a própria experiência de Jesus. Logo, Fátima é deixada aí com sinal. É esse outro sinal, como tantos sacrários espalhados ao longo da terra, que Bento XVI não esquece, e diante do qual pode ajoelhar-se com toda a Igreja.

José Carlos Carvalho, UCP

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