Rui Ferreira, Diocese de Braga
Quando a 16 de outubro de 1978, a Igreja Católica elegeu um Papa não italiano após 455 anos, ninguém imaginaria o processo de revitalização em que a instituição mergulharia, partindo do carisma e dinâmica de Karol Wojtyła. Se o Concílio Vaticano II representou uma transformação profunda para a Igreja, a verdade é que seria com João Paulo II que a vocação universal à santidade, proclamada pela “Lumen Gentium”[1] – a mais entusiasmante e mobilizadora constituição conciliar – seria finalmente interiorizada pelos cristãos.
Após ser protagonista do terceiro maior pontificado da história da Igreja, João Paulo II cederia o seu lugar a Bento XVI, novamente um Papa não italiano, que, com sabedoria e docilidade, conduziria os destinos dos católicos entre 19 de abril de 2005 e 28 de fevereiro de 2013, quando oficializaria a sua surpreendente abdicação.
Quando muitos aguardavam que a Igreja Católica regressasse à cadência que perdurara durante quase cinco séculos, prefigurando-se como “papabili” os cardeais italianos Angelo Scola ou Leonardo Sandri[2], eis que os 118 participantes do Conclave voltariam a surpreender o mundo elegendo o primeiro Papa americano da história bimilenar da Igreja Católica.
Mas o 266.º Sumo Pontífice não foi apenas o primeiro Papa americano da Igreja Católica, afirmar-se-ia também como o primeiro Papa Jesuíta, membro da Companhia de Jesus, a ordem religiosa mais progressista da Igreja Católica, conhecida pelo seu voto especial de obediência ao Papa, mas também pela recusa de cargos eclesiásticos.
O cardeal argentino Jorge Mário Bergoglio seria eleito como líder máximo dos católicos, surpreendendo o mundo, desde logo dispensando as vestes pontificais na sua primeira saudação ao povo. Mas as mudanças não se ficariam por aqui. Tendo decidido viver na Casa de Santa Marta, em detrimento do apartamento do palácio Apostólico, haveria de cultivar uma relação de proximidade, não apenas com os cardeais da Cúria Papal, mas principalmente com os funcionários, tratando cada um pelo seu nome e fazendo as suas refeições na cantina, e ocupando o lugar que estiver disponível nas mesas, como qualquer outro funcionário.
Esta sua forma de ser ficaria bem vincada desde o início, particularmente na escolha do seu epíteto papal. Quando o Cardeal camerlengo anunciou que o novo Papa se chamaria Francisco, muitos dos clérigos presentes pensaram que a sua inspiração seria São Francisco Xavier, um dos fundadores dos Jesuítas, reconhecido como um dos maiores apóstolos da história da Igreja. “Será um pontificado voltado para as missões e para o Oriente?”, questionariam alguns. A dúvida não duraria muito tempo, pois o Papa Francisco esclareceria que a sua inspiração seria outro santo, igualmente Francisco, mas de outra ordem religiosa: São Francisco de Assis. E recordaria as palavras que um cardeal lhe dirigiria no momento da sua eleição, ainda na Capela Sistina: “Não te esqueças dos pobres”[3]. Esta tem sido efetivamente a marca identitária do seu pontificado.
Na Exortação Apostólica “Evangelii Gaudium”[4], que podemos considerar o texto programático do seu pontificado, o Papa Francisco apela a uma “nova evangelização” fundada no Evangelho, que inclua todos os cristãos, nas suas diferentes vocações e missões, e se estenda a todas as estruturas eclesiais, particularmente aquelas em que a simplicidade menos se faz notar. Uma Igreja em escuta contínua, mais identificada com Jesus Cristo, especialmente atenta ao mundo, centrando a sua atenção, em particular, naqueles que experimentam situações de abandono e fragilidade. Uma Igreja que mostra a sua força, não em vestes opulentas ou grandes manifestações de poder e fausto, mas no Evangelho, onde “todos, todos, todos” podem encontrar o seu lugar.
Proveniente do “fim do mundo”, como haveria de afirmar no seu primeiro pronunciamento público, o Papa Francisco Habituado a viver e a ler a Igreja a partir de uma periferia, pelo menos geográfica, Francisco tem feito do seu pontificado uma constante chamada de atenção para as diferentes periferias: as geográficas, desde logo, fazendo cardeais bispos que vêm de latitudes improváveis, muitas delas onde os cristãos nem são maioritários; as existenciais e humanas, com particular destaque para a atenção que tem dado aos excluídos e aos pobres. Em gestos, em palavras e em presença. A começar pela escolha do seu nome. Por isso mesmo, a sua primeira visita apostólica não foi a um dos maiores países cristãos do mundo, onde seria envolvido por grandes multidões, com uma agenda recheada de momentos protocolares. Seria, sim, à ilha italiana de Lampedusa, um dos lugares onde, quase diariamente, aportavam milhares de migrantes do Norte de África, muitos deles sem acolhimento ou esperança.
Quando muitos, equiparando a sua personalidade ao bom Papa João XXIII, esperavam que convocasse um novo Concílio, para que a Igreja enfrentasse o ritmo acelerado das sociedades hodiernas, o Papa propôs um Sínodo[5], cujo fundamento é precisamente o Concílio Vaticano II, em especial os decretos que a Igreja estruturalmente ainda não assumiu.
Além de ter instituído, em 2017, o Dia Mundial dos Pobres, comemorado anualmente, no 33.º domingo do Tempo Comum, o Papa Francisco foi de encontro às questões que inquietam o mundo, nomeadamente a “salvaguarda da criação”, através da Encíclica “Laudato sì”[6] sobre o cuidado da Casa Comum, que reflete sobre o compromisso da sociedade para com a natureza, num tempo marcado pelo egoísmo e por uma má gestão dos recursos.
No entanto, o momento mais marcante do seu pontificado pode muito bem ter sido em Portugal, mais propriamente durante as Jornadas Mundiais da Juventude, que decorreram em Lisboa, de 1 a 6 de agosto de 2023, em que o Papa Francisco fez a melhor síntese do seu pontificado: «Na Igreja ninguém é excedentário, ninguém é excedentário, há lugar para todos (…) Jesus diz: “Ide e trazei todos: jovens e velhos, sãos e doentes, justos e pecadores. Todos. Todos. Todos. Na Igreja há lugar para todos.»[7]
Cumprindo-se a 13 de março de 2025, o 12.º aniversário do seu pontificado, e no momento em que a sua saúde vai inspirando mais cuidados, é o momento ideal para celebrarmos o Papa Francisco: o Papa dos pobres, o Papa da natureza, o Papa de todos!
Rui Ferreira
[2] Cardeal Peter Turkson do Gana no topo da lista da sucessão de Bento XVI | Europa | PÚBLICO
[3] Cardeal brasileiro inspirou nome do papa Francisco – BBC News Brasil
[4] “Evangelii Gaudium”: Exortação Apostólica sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual (24 de novembro de 2013) | Francisco
[6] Laudato si’ (24 de maio de 2015) | Francisco
[7] “Todos, todos, todos.” Leia o discurso do Papa Francisco na cerimónia de acolhimento da JMJ em Lisboa – Observador
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