O nascimento de uma nova arte religiosa

O início da década de 50 do século XX trouxe os primeiros sinais de mudança no panorama da arte religiosa em Portugal, identificáveis num novo entendimento do papel social da Igreja, requerendo novos tipos de espaços face a novas concepções litúrgicas.

A nova proposta de arte religiosa deve muito à acção de um conjunto de pessoas que desde cedo se organizaram para melhor atingirem os seus objectivos, marcando claramente uma época de ruptura, o Movimento de Renovação da Arte Religiosa (M.R.A.R.), ao longo de década e meia.

“No Outono de 1952, um pequeno grupo de arquitectos recém-diplomados e alguns estudantes da Escola de Belas Artes de Lisboa, faziam as primeiras reuniões, dominados por uma vontade de trabalho em comum para a elevação do nível da Arte Sacra em Portugal”.

É assim, na primeira pessoa, que temos notícia do início da actividade deste movimento, não oficial, ao serviço da Igreja: Movimento de jovens estudantes, interessados em fazer aceitar a arte moderna numa instituição mais propensa a aceitar formas convencionais e conservadoras. Numa atitude muito de acordo com o que viria a ser a vida e obra da Igreja em estado de Concílio, propõem uma arte religiosa de cariz eclesial e pastoral. Participaram neste movimento alguns dos mais destacados arquitectos e artistas plásticos em Portugal, como Nuno Teotónio Pereira, João de Almeida, Diogo Pimentel, Nuno Portas, Luís Cunha, Erich Corsepius, Madalena Cabral, Formosinho Sanchez, Manuel Costa Cabral, Eduardo Nery, Jorge Vieira, entre outros.

O fulcro das práticas do M.R.A.R. era, principalmente, os novos problemas que foram surgindo na sociedade e na Igreja da época, no que toca à arte, muito especialmente à arquitectura, reflectindo e procurando soluções, critérios, formando gente, ganhando espaço de influência e raio de acção.

Nascido com a intenção de reagir a um estado de coisas em que as igrejas eram servidas por um desenho historicista caricatural (vide as igrejas, em Lisboa, do Santo Condestável, São João de Brito e São João de Deus) o grupo de jovens arquitectos católicos começa a sua acção apoiado numa “Exposição de Arquitectura Religiosa Contemporânea”, com o “objectivo de mostrar alguma coisa do que no nosso país se tem feito nos últimos anos para pôr ao serviço do culto litúrgico uma arte digna dessa nobre função”.

Pela primeira vez em Portugal se debatia publicamente o problema da arquitectura moderna e as suas repercussões enquanto arte para a Liturgia. Era o primeiro passo da caminhada que levaria o M.R.A.R. a tornar-se numa escola de reflexão de excelência. A acompanhar esta exposição encontra-se um texto, um manifesto, que condensa o pensamento e a acção deste Movimento na sua fase inicial: “Impõe-se uma acção de esclarecimento e revisão de conceitos, para que a arquitectura possa mostrar ao mundo de hoje a verdadeira face da Igreja de Cristo. Depende do público cristão que essa face continue a ser odiosamente desfigurada, ou se revele, enfim, em toda a sua pureza”.

Neste movimento foram encontrando um espaço próprio muitos artistas e intelectuais portugueses, distanciados do regime político, e crentes num catolicismo que desejavam renovado, segundo as doutrinas e atitudes do II Concílio do Vaticano. Este inconformismo dos jovens artistas e as suas críticas da arquitectura oficial foram dos factores que mais contribuíram para a renovação da arquitectura religiosa portuguesa, ao qual devemos somar o contacto com os movimentos culturais e litúrgicos da Europa, sobretudo da Suíça e da Alemanha.

O leque de interesses do Movimento acabaria por alargar-se ao campo da música sacra, ourivesaria e paramentaria, por exemplo.

O M.R.A.R. acabaria por entrar num impasse de que não foi capaz de sair: as actividades de 1967-68 permitiram concluir que “o problema fundamental se enraíza na preocupação missionária da comunidade, muito mais do que na apresentação arquitectónica da igreja”.

Os espaços litúrgicos vivem numa crise de identidade, o que provocou uma perda de interesse sobre o problema da construção das igrejas. O movimento católico era, então, mais social, apagando o impacto da onda de choque que tinha levado a reflexão da Igreja até ao II Concílio do Vaticano, em matéria de Liturgia e Eclesiologia. E o 25 de Abril ficava logo ao virar da esquina.

Octávio Carmo – AE

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Agência ECCLESIA

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