Papa falou sobre os motivos de os cristãos celebrarem «um instrumento de tortura, um sinal de sofrimento, de derrota e de fracasso»
Na homilia da missa celebrada esta tarde na igreja da Santa Cruz, em Nicósia, capital do Chipre, Bento XVI deteve-se sobre o sentido do sofrimento e da morte que resultam da crucificação de Jesus.
“Muitos poderão ser tentados a perguntar por que motivo nós, cristãos, celebramos um instrumento de tortura, um sinal de sofrimento, de derrota e de fracasso”, referiu o Papa, para a seguir sublinhar que a cruz representa o “triunfo definitivo do amor de Deus sobre todos os males do mundo”.
Bento XVI recordou a narrativa bíblica que pretende explicar a entrada do mal na vida humana: “Adão abandonou a confiança filial em Deus e pecou, comendo o fruto da única árvore do jardim que lhe era proibida”, e agora “só Deus” pode libertar o homem da escravidão moral e física causada por aquela desobediência.
O “sofrimento e a morte, que eram consequência do pecado, tornaram-se eles mesmos o meio através do quais o pecado foi derrotado”, sublinhou Bento XVI ao referir-se à agonia física, psicológica e espiritual de Jesus perante a iminência da morte.
“Por isso – prosseguiu o Papa – a cruz é algo de maior e mais misterioso do que à primeira vista pode parecer. É sem dúvida um instrumento de tortura”, mas ao mesmo tempo exprime a vitória definitiva sobre esse mal, tornando-a “no símbolo mais eloquente da esperança que o mundo jamais havia visto”.
Relevância da cruz na sociedade contemporânea
Para Bento XVI, o significado da cruz “fala a todos aqueles que sofrem – os oprimidos, os doentes, os pobres, os marginalizados, as vítimas da violência e oferece-lhes a esperança de que Deus pode transformar o seu sofrimento em alegria, o seu isolamento em comunhão, a sua morte em vida. Oferece esperança sem limites ao nosso mundo decaído”.
É por estes motivos que o mundo “precisa da cruz”, que “não é simplesmente um símbolo privado de devoção, não é um distintivo da pertença a qualquer grupo no interior da sociedade” e “o seu significado mais profundo não tem nada a ver com a imposição forçada de um credo ou de uma filosofia”.
A cruz, frisou o Papa, “fala de esperança, fala de amor, fala da vitória da não-violência sobre a opressão, fala de Deus que exalta os humildes, dá força aos frágeis, faz superar as divisões e vencer o ódio com o amor”.
“Um mundo sem cruz seria um mundo sem esperança, um mundo no qual a tortura e a brutalidade permaneceriam desenfreados, os frágeis seriam explorados e a avidez teria a última palavra”, sublinhou.
Apelos às comunidades católicas no Médio Oriente
Bento XVI dirigiu-se aos padres, religiosos e catequistas presentes na missa, salientando que a mensagem da cruz foi confiada à Igreja para que ela possa “oferecer esperança ao mundo”.
“Quando proclamamos Cristo crucificado, não nos proclamamos a nós próprios, mas a ele”, afirmou, acrescentando: “Não ofereçamos a nossa sabedoria ao mundo, não falemos dos nossos próprios méritos”, mas do seu “amor”, sabendo “ser simplesmente vasos feitos de argila”.
“Não cessemos de reconhecer a nossa indignidade, mas ao mesmo tempo esforcemo-nos sempre para nos tornarmos menos indignos do nosso nobre chamamento, de forma a não enfraquecer mediante os nossos erros e as nossas quedas a credibilidade do nosso testemunho”, pediu o Papa.
Bento XVI lembrou os sofrimentos e dificuldades vividos pelo clero e consagrados: “No meu pensamento e na minha oração recordo-me de modo especial dos muitos sacerdotes e religiosos do Médio Oriente que experimentam neste momento um chamamento particular a conformar a própria vida ao mistério da cruz do Senhor”.
“Onde os cristãos são a minoria, onde sofrem privações por causa das tensões étnicas e religiosas, muitas famílias tomam a decisão de partir e muitos pastores também são tentados a fazer o mesmo”, constatou o Papa, que pediu ao clero e aos consagrados para permanecerem nas suas comunidades.
Os sacerdotes e paróquias que continuam a dar testemunho de Cristo são “um sinal extraordinário de esperança, não só para os cristãos, mas também para quantos vivem na região” e a sua presença é uma “expressão eloquente do Evangelho da paz” e do empenho da Igreja “no diálogo, na reconciliação e na aceitação amorosa do outro”.
Último dia da visita marcado pela entrega do documento preparatório do Sínodo dos Bispos
Com a celebração da missa, o Papa concluiu o programa do segundo dia da visita a Chipre. No Domingo, Bento XVI preside em Nicósia, pelas 9h30 (menos duas horas em Portugal continental) à eucaristia por ocasião da entrega do documento preparatório do Sínodo dos Bispos para o Médio Oriente, que decorre em Roma no mês de Outubro.
Pelas 13h00 almoça na Nunciatura Apostólica – representação diplomática do Vaticano – com os patriarcas e bispos do Conselho Especial para o Médio Oriente do Sínodo dos Bispos, com o arcebispo ortodoxo Crisóstomo II de Chipre e com os membros da comitiva papal.
Após a despedida da Nunciatura, às 16h00, visita a catedral maronita de Chipre, deslocando-se seguidamente para Larnaca, onde às 17h45 se realiza a cerimónia de despedida no aeroporto local.
O Papa parte às 18h15 para Roma, onde deverá chegar duas horas e meia depois.
Foto: Bento XVI com religiosos muçulmanos antes da missa celebrada na igreja da Santa Cruz, Nicósia, Chipre (5.6.2010)