Em 2010, o realizador norte-americano Lee Daniels comoveu milhares com a adaptação cinematográfica do romance biográfico de Sapphire, ‘Precious’, contando a comovente e inspiradora história de uma adolescente negra a quem a extrema dureza da vida não roubou a capacidade de amar, esperar e realizar um futuro sorridente para si e a sua filha.
Este ano, é o realizador encarregue de levar ao grande ecrã nova adaptação de uma biografia, desta feita de um mordomo da Casa Branca, partindo não de um romance mas de um artigo assinado em 2008 por Wil Haygood no Washington Post que popularizou a história de vida de Eugene Allen, posteriormente seguida e aprofundada pela imprensa.
O filme chega agora a Portugal com um cunho particularmente saboroso: o de Rodrigo Leão na composição da banda sonora!
Nascido numa plantação de algodão do sudoeste dos Estados Unidos, Geórgia, nos anos vinte do século passado, Cecil Gaines (o nome que adota na versão cinematográfica) conhece desde cedo o significado da iniquidade ao testemunhar a brutalidade a que os pais e outros trabalhadores são sujeitos pelo dono da plantação. Uma oportunidade de vida diferente da que os pais tiveram surge quando a matriarca da família o escolhe para servir em casa, ensinando-lhe todos os preceitos do serviço doméstico que lhe serão preciosos, primeiro para ser um bom criado e mais tarde um mordomo exemplar. Oportunidade diferente mas ainda sem direito a existência própria, como fica bem claro nos primeiros ensinamentos da matriarca: onde estiver, a sua presença não deve ser notada.
Os seus anos de serviço à Casa Branca servem como modesto bastidor dos mais significativos momentos da história dos Estados Unidos na segunda metade do século XX, ao longo de trinta e quatro anos – de 1952 a 1986 – e oito presidências – de Truman a Ronald Reagan. Um registo que faz lembrar ‘Forrest Gump’, mas com uma gestão menos hábil na forma de olhar os grandes eventos históricos pelo prisma de um simples homem, recomendado ao anonimato.
Bastante ficcionado e nem sempre exato no seu reconto histórico, sem grandes meios de produção nem grande rasgo artístico e narrativo, ‘O Mordomo’ vale sobretudo pelo elenco, pela extraordinária banda sonora de Rodrigo Leão e pela simpatia que esse mesmo olhar simples arrecada do mais comum espetador: o que está já muito familiarizado com a história dos Estados Unidos, política e socialmente falando, e um pouco de todos nós, que facilmente nos identificamos com o desejo de ser ‘um’ e não apenas ‘mais um’ na história do nosso país e da humanidade.
Margarida Ataíde