O Moinho e a Cruz

Em 1564 a Flandres sofre a brutal ocupação pela Espanha de Filipe II. Liderando o movimento da Contrarreforma, Filipe II, católico devoto, procurava assim dominar o ímpeto crescente da corrente calvinista fortemente presente naquela região.

É nesse mesmo ano, no contexto de profundas divisões na Europa, que o pintor Peter Bruegel, originário do então Ducado de Brabante cria “A Subida ao Calvário”. A pintura, resultado da encomenda de Nicholas Jonghelinck, banqueiro, colecionador de arte e mecenas, utiliza de forma extraordinária uma alegoria para, a partir da paixão e crucifixão de Cristo, a contextualizar na situação da Flandres de então.

Em 1996 o escritor e crítico de arte Michael Francis Gibson publica uma análise sobre o quadro de Bruegel, que virá a remeter ao realizador Lech Majewski. O visionamento de “Angelus” (2000) e a forma como este aborda uma trama apocalíptica numa comunidade da Silésia, sugerem ao escritor ser este o realizador indicado para dar corpo fílmico ao seu entendimento da obra de Bruegel. A colaboração começa logo na escrita do argumento e o filme é produzido em três anos.

Centrado na vida de 12 das mais de 500 figuras representadas no original, “O Moinho e a Cruz” resulta numa criação cinematográfica simultaneamente capaz de exprimir a composição intricada e pluridimensional de Bruegel e imprimir a vida, o movimento e a frescura necessárias à adesão do espetador. Ao longo da narrativa acompanhamos o trabalho e as premissas do pintor, assim entendidas, para cada um dos elementos determinantes da composição, permitindo seguir detalhadamente significante e significado, forma e conteúdo. Isto combinado entre os diálogos que o pintor mantém com o seu mecenas à medida que compõe a obra, planos quase estáticos e tridimensionais do contexto que lhe serve de modelo e cenas da vida quotidiana a que reportam os diversos elementos pictóricos.

Um resultado interessante que convoca ao aprofundamento, a vários níveis, depois da experiência cinematográfica em si.

Margarida Ataíde

 

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