Convém, antes de mais, dar uma pequena explicação acerca da maneira como está formulado o título que encabeça estas linhas. Não se trata de uma gralha, mas de uma opção. O que quero partilhar convosco fundamenta-se numa certeza que não impede, no entanto, a existência de algumas dúvidas. Confuso? Talvez não! Parto de uma certeza fundamentada na minha fé e que marca a minha experiência de vida: celebrar o Natal é celebrar o nascimento de Jesus Cristo, fazendo presente de uma maneira muito especial tudo o que esta realidade significa. É por isso que esta celebração tem várias dimensões e aspectos que não podem ser ignorados. A dimensão de fé, a dimensão familiar, bem como a de uma maior atenção e sensibilidade aos outros querem ser tradução de um acontecimento que ultrapassa tudo aquilo que o ser humano poderia imaginar. Deus faz-se realmente presente, assume a condição humana, olha-me nos olhos e constrói a história comigo. Tal realidade não pode ficar reduzida a um tempo passado do qual apenas faço memória, mas, pelo contrário, tem de ser uma certeza a impulsionar e interpelar toda a existência. E é para não esquecer esta presença constante e interpela-dora de Deus que todos os anos ‘paramos’, para a reflectir, a aprofundar e a tornar mais visível. Até aqui tenho certezas, a partir daqui surgem-me algumas dúvidas. Não será legítimo que nas nossas sociedades muitos celebrem este tempo dando importância a outros aspectos que não estejam centrados no nascimento de Jesus Cristo? O dar e receber presentes, o encontrar-se com os outros de uma maneira mais próxima não será positivo e legítimo, sem ter que ter obrigatoriamente uma referência ao acontecimento de Jesus Cristo? Será que devo ‘condenar’, ou considerar menor qualquer tipo de celebração ou gesto que não tenha uma clara tradução cristã? Sinceramente penso que não, pois em muitos desses gestos e maneiras de celebrar podemos encontrar verdade e profundidade. Por isso, parece-me legítimo e verdadeiro celebrar este tempo sem dele fazer uma explícita celebração da fé cristã. Mas se encontro legitimidade e verdade nesta posição, o mesmo já não posso dizer de certas atitudes que aqui e ali, cada vez mais, se vão fazendo sentir. Refiro-me a um pensamento que, baseando-se na legítima separação Igreja estado, a quer traduzir numa ilegítima separação entre fé e vida pública e social. Para este pensamento a presença de símbolos religiosos referentes ao Natal não é possível nem desejável nos espaços públicos, pois eles podem ferir a susceptibilidade daqueles que não são cristãos. O cada vez maior peso de figuras como ‘pai natal’, como os ‘bonecos de neve’ ou como a afirmação ‘boas festas’ podem também ser lidas nesta linha. Queiramos ou não, sejamos ou não crentes, na base do Natal, está o acontecimento do nascimento de Jesus Cristo. E se é verdade que a celebração da fé desta realidade não pode ser imposta a ninguém, é igualmente verdade que ela não pode ser ‘apagada’ ou ‘silenciada’, sob a pretensão de defender uma sociedade que é pluralista do ponto de vista religioso. O silenciamento dessa realidade seria aliás um gravíssimo atentado contra essa mesma pluralidade. Assim, querer celebrar o Natal excluindo dele toda a referência explícita a Jesus Cristo , ou pelo menos, tentando fazer que ela não seja mais visível que outras, parece-me de todo inaceitável. Neste tempo, sou capaz de encontrar seriedade, verdade e profundidade em muitos gestos, acontecimentos, palavras e atitudes de pessoas que não se dizem cristãs, ou mesmo crentes. Elas não precisam de celebrar o nascimento de Jesus Cristo para que esses seus gestos e atitudes sejam sinceros, positivos e precisos. Daí o ponto de interrogação no título destas linhas. Mas essa interrogação em nada significa qualquer dúvida acerca da identidade do Natal. Até mesmo para essas pessoas a presença do Menino Jesus é uma realidade. Elas não o celebram, podem mesmo não acreditar nele, mas isso não implica que ele não seja a razão de ser do natal. A certeza, que a fé proclama, de que Deus se fez menino para por nós se deixar acarinhar, abraçar e beijar e deste modo podermos sentir o próprio carinho, abraço e beijo de Deus, é o fundamento da celebração do Natal. E daí o ponto de exclamação. Fundamentados nesta exclamação, os cristãos celebram o Natal proclamando a certeza e a necessidade da presença desse Menino na construção da história humana. Juan Francisco Ambrosio Faculdade de Teologia da UCP