O lugar do desconforto

Octávio Carmo, Agência ECCLESIA

Foto: Agência ECCLESIA/MC

Quase um mês após o final da primeira sessão sinodal, paira no ar a ideia de uma certa indiferença, por parte das comunidades católicas. “Não se passou nada”, pensarão mesmo alguns, atraiçoados por um dos maiores inimigos da comunicação hipermediática contemporânea: as falsas expectativas.

O processo dos últimos anos, que vai continuar até outubro de 2024 – com o necessário contributo das várias dioceses – tem sido uma aprendizagem sobre o lugar do desconforto. Uma Igreja que pergunta é, necessariamente, uma instituição que é questionada, aparentemente fragilizada nessa dinâmica aberta ao debate, que contraria a tradicional comunicação unidirecional, de quem tem muito a ensinar e pouco a receber de quem está fora.

A assembleia sinodal em curso é uma proposta revolucionária que vai muito para além da imagem – visualmente dominante – da reestruturação horizontal do espaço, com mesas-redondas que congregam os participantes, ao mesmo nível. Não se trata de uma moda, mas de um modo de ser Igreja.

Tive oportunidade de deixar à Conferência de Institutos Religiosos de Portugal um conjunto de desafios, para esta fase, que partilho aqui: a necessidade de formação de lideranças pensadas numa lógica de serviço, para a transformação das comunidades; a valorização dos processos, ao invés da procura apressada de um resultado; a formação de teólogos que questionem, aprofundem e ajudem a encontrar respostas novas; a descoberta da vertente positiva do conflito que, criativamente, nos leva ao encontro daquele que é diferente.

Do relatório de síntese, houve uma citação que gerou especial burburinho, quando a li: “Os casos de discriminação laboral e de remuneração desigual dentro da Igreja devem ser debatidos e resolvidos, particularmente no que concerne às consagradas que, muitíssimas vezes, são consideradas mão de obra barata”.

Nesse encontro, citei uma passagem que recordo várias vezes da ‘Evangelii gaudium’, agora no seu 10.º aniversário. “Perante o conflito, alguns limitam-se a olhá-lo e passam adiante como se nada fosse, lavam-se as mãos para poder continuar com a sua vida. Outros entram de tal maneira no conflito que ficam prisioneiros, perdem o horizonte, projetam nas instituições as suas próprias confusões e insatisfações e, assim, a unidade torna-se impossível. Mas há uma terceira forma, a mais adequada, de enfrentar o conflito: é aceitar suportar o conflito, resolvê-lo e transformá-lo no elo de um novo processo”, escreve o Papa.

Transformar o conflito é a tarefa que se exige para entender este tempo de desconforto, que fará germinar as sementes necessárias para alimentar o futuro.

 

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