O lugar da Virgem Maria na Redenção

«Junto da Cruz de Jesus estava sua Mãe…» (Jo 19, 26-27) “Eu nunca te deixarei. O Meu Imaculado Coração será o teu refúgio e o caminho que te conduzirá a Deus” (Mem. II, 67) 1. O mês de Maio traz consigo não apenas a plenitude da primavera na sua esplendorosa beleza, mas também a vivência litúrgica (e popular) do tempo do Espírito Santo, e a intensa devoção a Nossa Senhora, – Mês de Maria! – que, entre nós, tem a sua máxima expressão na grande peregrinação de 13 de Maio, preparada pelas novenas dos peregrinos que a pé ou de transporte acorrem de todos os cantos de Portugal (e do mundo) até junto de Nossa Senhora, no lugar da sua aparição. Deixemo-nos tocar pelo contágio dos peregrinos, e sejamos como eles ou um deles, levados pelo sentimento ou pelo comum sentir com a Igreja, até junto da Senhora mais brilhante que o Sol, para ouvirmos as palavras que um dia os pastorinhos ali escutaram, que falam de caminho e de refúgio, de não ter medo, sabendo ou sentindo, como a Igreja depois também aceitou, que a voz que se escutava era a daquela que o evangelho de S. João diz que «estava junto da cruz de Jesus, sua Mãe»! 2. Nas duas citações acima referidas, podemos ver sintetizada toda a teologia da cooperação de Nossa Senhora na redenção, e que tem a razão de ser na sua maternidade divina. É verdade que nos últimos tempos, por causa de um certo excesso no uso do método histórico-crítico, por um lado, e, por outro, por uma demasiada preocupação com o diálogo ecuménico, se introduziu entre os teólogos como que um certo respeito humano em afirmar o que a Igreja sempre acreditou e celebrou: que em virtude da sua divina maternidade, foi nela e por ela que o Verbo de Deus incarnou; que ela sempre acompanhou o seu Filho no seu caminho até à cruz, onde Ele nos deu não apenas a sua vida, mas também a sua morte (Adrianne von Speyr); que nessa hora da redenção o seu Filho no-la deu como Mãe, na pessoa do discípulo amado, o representante de todos os discípulos, e que ele a tomou como sua; que é a Mãe da Igreja (Paulo VI), que continua a manifestar por ela e por cada um dos seus filhos a mesma solicitude materna que tivera nas bodas de Caná, quando disse aos criados: «Fazei tudo o que Ele vos disser…» (Jo 2, 5), e que por tudo isso a Igreja a aclama como co-redentora ou medianeira de todas as graças. Esta afirmação da fé não põe de modo nenhum em causa a unicidade do Redentor, do único Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo; mas, como muito bem viam Sto. Agostinho e S. Tomás, e Pio XII assumiu na encíclica Mystici Corporis Christi (29.06.1943), Jesus Cristo e a Igreja, da qual a Virgem Maria é a mais excelsa figura, constituem como uma única pessoa, ‘una mystica persona’, de tal modo que não só d’ Ele se espalha, para todo o corpo e cada um dos membros, o mérito da sua Paixão, mas esta diz respeito também ao corpo e aos seus membros, que são assim associados e integrados no mesmo mistério de redenção do homem, pois que, como muito bem sentia S. Paulo, a paixão de Cristo continua nos seus membros, que completam em si o que lhe faltava. Com isto quer precisamente dizer-se que entre Cristo e a Igreja se dá uma profunda unidade, pois é por ela que o Senhor se entrega, e essa entrega continua hoje na Igreja, na fé e nos sacramentos. Este lugar da Igreja na redenção, que representa hoje na teologia uma questão de certo modo paradoxal, embora corres-ponda a um dos dados mais profundos da nossa fé – creio na Igreja –, é de certo modo incompreensível sem uma referência ao lugar de Maria no mesmo mistério, do qual a Igreja, aliás, recebe a sua luz. Na verdade, a mediação eclesial só se compreende à luz da mediação de Maria, da qual ela é a continuadora na história. A Virgem Maria medeia para nós o mistério da Incarnação, pois foi no seu seio que o Verbo de Deus assumiu a nossa natureza e foi ela quem o deu à luz. E a maternidade divina de Maria tem a sua plena realização junto da Cruz, quando nela se cumpre a profecia de Simeão, a espada de dor que trespassa o seu coração (Lc 2, 35) – Senhora das Dores -, de tal modo que aí, de pé junto da cruz, unida ao seu Filho, ela é também mediadora da geração da nova humanidade, que dela nasce, como nova Eva, elevada assim à dignidade de ser a Mãe de todos os viventes. Por isso a Igreja, à luz do mistério da Virgem Maria, é, no seu ser mais profundo, mistério marial, pois que unida a Nossa Senhora, como os discípulos no Cenáculo, torna-se mediadora do mistério de Cristo para o mundo, na Palavra e nos Sacramentos. 3. Que vão os peregrinos fazer a Fátima nesta semana? Procurar refúgio e conforto, encontrar forças para não terem medo… Não ter medo, neste mundo contemporâneo povoado de riscos, de perigos, de ameaças…, só é possível num coração cheio de fé e de confiança, que os salmos inspiram, que João Paulo II e agora Bento XVI elevaram a programa pastoral dos seus pontificados. Ambos nos recordam a importância de Nossa Senhora na vida da Igreja, na espiritualidade e na caminhada de conversão e de santidade de cada crente. Bastaria recordar a divisa de João Paulo II, mesmo nos seus excessos de entusiasmo de um grande santo – Totus tuus! -, mas sobretudo na sua memorável encíclica Redemptoris Mater (25.03.1987) que valeria a pena revisitar neste contexto, e o texto do então ainda Professor J. Ratzinger, agora o Papa Bento XVI, quando vê na Virgem Maria a Filha de Sião, que exulta de alegria, no seu magnificat, porque nela fez grandes coisas o altíssimo e a tornou na Mãe do Redentor! O exemplo dos romanos pontífices seja para nós um estímulo a erguermos o olhar para a Virgem Santíssima e nos colocarmos na sua escola, – a escola de Maria (Ecclesia de Eucharistia), e nela aprendermos a ser discípulos do seu Filho, e dela recebermos a força – Mãe da divina Graça -, para a nossa peregrinação, entre as perseguições do mundo e as consolações de Deus (Sto. Agostinho). José Jacinto Ferreira de Farias, scj

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