Padre Marco Casquilho, Diocese de Santarém
Quando em 1949, o professor Mircea de Eliade escreveu a obra “O mito do eterno retorno”, apresentavam-se o tempo e o espaço sagrado como elementos característicos das religiões. Desde então o panorama religioso alterou-se drasticamente. Em inúmeros países ocidentais vários espaços religiosos foram secularizados, transformando-se em hotéis, cafés, bibliotecas, centros culturais, discotecas… Outros espaços profanos foram sacralizados ao serviço de novas seitas: armazéns, garagens, cinemas…foram transformados em espaços de culto. A noção de espaço sagrado alterou-se. Deixou de ser um lugar social, construído para efeitos de culto: um refúgio inviolável, de paz, de contacto com o transcendente, reconhecido por todos. O mesmo sucedeu com a noção de tempo sagrado, o tempo do eterno retorno. Os calendários religiosos perderam a importância e reconhecimento político e social. Ainda que algumas datas religiosas continuem a ser relevantes no contexto público, a maior parte das festividades passaram a ser celebradas apenas num contexto privado e confessional. O próprio fim-de-semana, tempo judaico-cristão de descanso e lazer, pouco a pouco perdeu a sua força e sentido.
Neste enquadramento, os jubileus anunciados pela Igreja Católica constituem um apelo para a restituição do tempo sagrado e para a sua vivência no espaço público.
Em 2000, durante o pontificado de São João Paulo II, fomos convidados a celebrar um Grande Jubileu. Em 2016, já no pontificado do Papa Francisco, foi anunciado um Jubileu Extraordinário da Misericórdia. Neste ano de 2025, somos convocados de novo a vivenciar um novo Jubileu. A este ano santo suceder-se-á o Jubileu Extraordinário Guadalupano de 2031 e o Jubileu Extraordinário da Redenção em 2033.
Tendo em consideração que a esperança de vida mundial é actualmente de 75 anos, a maior parte de nós poderá participar, pelo menos, em dois ou três jubileus ordinários e um ou dois jubileus extraordinários durante a sua existência.
O apelo a estas celebrações jubilares, bem como a peregrinações, em particular, ao centro da cristandade, Roma, constituiu uma evocação do tempo sagrado.
As grandes religiões mundiais sempre se distinguiram por este apelo. No judaísmo, existiam pelo menos três festivais anuais com as respetivas peregrinações a Jerusalém: Pesach, Shavuot e Sukkot. No Islamismo, existe a Hadj, peregrinação anual a Meca, que deve ser feito pelo menos uma vez na vida.
Quanto as religiões ancestrais orientais (hinduísmo, budismo, xintoísmo…), se não existe uma valorização tão temporalizada do sagrado em festivais ou peregrinações anuais, a verdade é que no dia a dia o espaço sagrado como sítio de passagem e paragem constitui uma clara inserção do transcendente no quotidiano.
Que neste Jubileu Católico de 2025, cujo lema será “A esperança não desilude”, possamos recuperar a noção de tempo sagrado! A nossa vida não pode resumir-se apenas num tempo mundano e profano de estudo ou trabalho. Precisamos de horários de descanso que nos libertem do imanente e que nos ajudem a alcançar o transcendente…
Padre Marco Casquilho, Pároco de Assentiz e Paialvo