O jogo – um brinquedo sério

O jogo é sempre um pretexto para voltarmos a ser crianças. Reveste-se de símbolos, convenções, lutas, cumplicidades, regras artificiais, de forma a transportar os intervenientes a um universo imaginário e mágico que os leva a lutar pela vitória. Dir-se-ia que, baseado no reflexo natural e primário da afirmação do homem e do grupo, cria um rival com quem luta, num terreno metafórico, para conseguir, por momentos, afirmar a supremacia nos desafios de velocidade, força, destreza, artifício. As regras do jogo inspiram-se na gama variada das potencialidades que cada ser ou grupo humano encerra. As regras podem sempre alterar-se sem nada de substancial acontecer à vida do indivíduo ou da sociedade. Se, por absurdo, um cataclismo planetário tudo congelasse numa hora de estádios cheios e de jogadores em acção, daqui a trinta ou quarenta mil anos os paleontólogos ficariam estupefactos ao tentarem interpretar os objectivos que conduziriam tais figuras como actores ou como espectadores num estádio. Sem o conhecimento das regras nada faria sentido. Tudo isto para dizer que talvez não valha a pena tomarmo-nos tanto a sério face ao desporto e, sobretudo, que ele se não desloque do lugar a que efectivamente pertence que é o da fantasia de um prélio em que artificialmente embarcamos por simples motivo de evasão do real. Como uma criança brinca com um objecto de todo irreal mas que, preso à imaginação e assumido como verídico, embala o lúdico como elemento integrado no quotidiano. Raramente os amantes do desporto aceitam escutar o toque real do despertar da letargia a que o jogo conduz. Nada há nisso de especial. O jogo estimula energias, absorve agressividades, dá sentido de pertença e partilha, acende a emulação e, sobretudo, quando praticado, coloca em acção uma riquíssima gama de elementos humanos, físicos e espirituais. Desde a antiguidade que o homem vive com os grandes e pequenos jogos, nos coliseus, circos praças, com simulacros de batalhas e montarias, feras e homens em lutas de grandeza olímpica e de ferocidade animal. A mesa e o jogo são dois lugares onde o ser humano se define e se revela. Onde a inteligência, a imaginação e o instinto se juntam e digladiam. O jogo é muito mais sério do que parece. Mas nunca deve ser levado muito a sério. António Rego

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