O funeral do Papa e o Conclave

Disposições de João Paulo II sobre os seus últimos momentos e a eleição de um novo Papa Assim que o Papa morre, a primeira providência é chamar o Cardeal Camerlengo, o Cardeal que na Cúria Romana preside à Câmara Apostólica (D. Martinez Somalo) e que durante a Sede Vacante conduz a administração temporal do Vaticano. De pé, ao lado do corpo, ele toca 3 vezes na testa do Papa com um martelinho de prata e o chama 3 vezes pelo nome de Baptismo (e não pelo nome que adoptou ao ser eleito). Se não há resposta, ele anuncia o falecimento e quebra o anel do Pescador (que o Papa usa para lembrar o momento em que Jesus diz a Pedro que ele seria um pescador de almas e no qual está gravado o nome do Papa). O enterro não pode ser feito antes de quatro dias nem depois de seis dias a contar desde a morte do Papa. O Camerlengo também inutiliza o selo papal (que é a marca da autenticidade dos documentos assinados pelo Papa) e dá início aos preparativos para o enterro e para os nove dias de luto – os “Novelandi” – nos termos do “Ordo exsequiarum Romani Pontificis”. É responsabilidade do Camerlengo selar os aposentos privados do Papa e mesmo a residência de Verão em Castel Gandolfo é colocada sob custódia especial. Quando um novo Papa for eleito, estes ser-lhe-ão entregues intactos. Tradicionalmente, os Penitenciários revestem o Papa com as vestes pontifícias e dois véus de seda branca são colocados sobre as mãos e a face. O corpo do Papa é depois colocado dentro de três caixões, que se encaixam uns nos outros. O primeiro é de cedro, colocado dentro de outro feito de chumbo. É neste que está a inscrição com o nome do Papa e as datas do seu Pontificado. Estes dois são colocados dentro de um caixão de olmo, sem adornos, que será colocado na entrada da Basílica de São Pedro. Segundo o disposto no número 27 da Constituição Apostólica “Universi Dominici Gregis”, após a morte do Romano Pontífice “os Cardeais celebrarão as exéquias em sufrágio da sua alma, durante nove dias consecutivos, nos termos do Ordo exsequiarum Romani Pontificis, a cujas normas, assim como às do Ordo rituum Conclavis, eles se conformarão fielmente”. Antes de ser enterrado, é lida uma elegia, em Latim, relatando os principais actos do Pontificado. Últimos momentos João Paulo II previu, à imagem dos seus predecessores, as disposições a serem tomadas por ocasião da sua morte, num documento publicado em Fevereiro de 1996: Constituição Apostólica «Universi Dominici Gregis » (Todo o Rebanho do Senhor). No capítulo V da primeira parte encontram-se os números referentes às “exéquias do Romano Pontífice” com regras claras para o tratamento mediático da morte do Papa. “Não é lícito a ninguém fotografar nem captar imagens, seja pelo meio que for, do Sumo Pontífice, quer doente na cama, quer já defunto, nem gravar em fita magnética as suas palavras para depois reproduzi-las”, lê-se no documento. A proibição de captação de imagens – visuais e sonoras – das últimos momentos e palavras do Papa reporta-se ao tempo de Paulo VI, depois do escândalo de Pio XII, em 1958, quando um dos seus médicos, Gáleas Lisi, publicou em livro fotografias do Papa no leito, com a máscara de oxigénio. Se alguém, depois da morte de João Paulo II, quiser tirar-lhe fotografias a título de documentação deverá pedir para isso a autorização ao Camerlengo, actualmente o Cardeal Eduardo Martinez Somalo, o qual, porém, só poderá permitir “que sejam tiradas fotografias ao Sumo Pontífice revestido com as vestes pontifícias”, conforme o documento em causa. Esta Constituição determina ainda que o cadáver do Papa seja enterrado na Basílica de São Pedro, prevendo mesmo o caso de trasladação no caso do Papa falecer fora de Roma. Nenhuma decisão será tomada sem, contudo, ter sido lido o testamento de João Paulo II: se ele tiver cartas e documentos pessoais, e tiver designado um próprio executor testamentário, compete a este estabelecer e executar, segundo o mandato recebido , aquilo que concerne aos bens privados e aos escritos do Papa defunto. A eleição do novo Papa O ritual da eleição de um Papa decorre no mais absoluto segredo e o processo obedece às normas da Constituição Apostólica “Universi Dominici Gregis” de João Paulo II (22 Fevereiro de 1996) Compete aos Cardeais da Igreja proceder à eleição do novo Papa. Este processo acontece durante o Conclave e é feita apenas por escrutínio secreto, que obedece à legislação minuciosa da mencionada Constituição Apostólica. O segredo, aliás, é a alma de todo o processo de eleição de um Papa: é exigido de todos os Cardeais participantes o mais absoluto segredo sobre tudo o que se passa durante a eleição do Papa, sob pena de excomunhão. A evolução tecnológica gerou algumas normas concretas sobre a proibição aos cardeais “de correspondência epistolar e de conversas mesmo telefónicas ou via rádio com pessoas não devidamente admitidas nos edifícios a eles reservados.” João Paulo II decidiu que os Cardeais fiquem alojados na designada “Domus Sanctae Marthae”, situada na Cidade do Vaticano, junto à Basílica de São Pedro. “O Conclave para a eleição do Sumo Pontífice realizar-se-á dentro do território da Cidade do Vaticano, em sectores e edifícios determinados, vedados aos estranhos”, ordenou. Nos Conclaves anteriores, os Cardeais ficavam alojados na Capela Sixtina, sem as comodidades necessárias para um acto destes. De modo específico, é proibido aos Cardeais eleitores, durante todo o tempo que durarem as operações da eleição, receber imprensa diária e periódica, de qualquer natureza, assim como ouvir transmissões radiofónicas ou ver transmissões televisivas. Teoricamente, qualquer católico adulto do sexo masculino é “papabile”, ou seja, pode ser eleito Papa. Na prática, no entanto, já há muitos séculos que só cardeais têm sido escolhidos. O Colégio de Cardeais reúne-se para a eleição, no décimo quinto dia após a morte do Papa ou, no máximo, até ao vigésimo. Os mecanismos da eleição estão previstos nos números 62 a 77 da “Universi Dominici Gregis”, que define como única forma válida o voto secreto (scrutinium), abolindo modos de eleição anteriormente existentes (por inspiração e por compromisso). Os cardeais estão proibidos de fazer negociações ou tomar decisões a este respeito em reuniões privadas, receber, seja sob que pretexto for, o encargo de propor o veto ou a chamada exclusiva de qualquer autoridade civil, mesmo sob a forma de desejo (nº 80). Abstenham-se de todas as formas de pactuação, convenção, promessa, ou outros compromissos de qualquer género e de fazerem, antes da eleição, capitulações, ou seja, tomarem compromissos de comum acordo (nº 81). Fumo branco Portanto, todo o processo de eleição deve ter lugar exclusivamente na Capela Sixtina. Para que surja um novo Papa requerem-se dois terços dos votos, com votações de manhã e à tarde, que são sempre a dobrar quando não se obtém esse resultado. Se as votações não tiverem êxito, após um período máximo de 9 dias de escrutínios e “pausas de oração e livre colóquio” descrito na Constituição Apostólica, os Cardeais eleitores serão convidados pelo Camerlengo a darem a sua opinião sobre o modo de proceder. O documento de João Paulo II abre a hipótese de a eleição ser feita “ou com a maioria absoluta dos sufrágios ou votando somente os dois nomes que, no escrutínio imediatamente anterior, obtiveram a maior parte dos votos, exigindo-se, também nesta segunda hipótese, somente a maioria absoluta.” Depois de cada sessão, as fichas dos votos e “os escritos de qualquer espécie relacionados com o resultado de cada escrutínio” são queimados. Quando os Cardeais chegam a uma decisão, o Cardeal Decano, ou o primeiro dos Cardeais segundo a ordem e os anos de cardinalato, em nome de todo o Colégio dos eleitores, pede o consenso do eleito e, uma vez recebido o consenso, pergunta-lhe como quer ser chamado. Depois da aceitação, o eleito que tenha já recebido a ordenação episcopal, torna-se imediatamente o Bispo da Igreja de Roma, verdadeiro Papa e Cabeça do Colégio Episcopal, adquirindo deste modo o poder pleno e absoluto sobre a Igreja universal, e pode exercê-lo. Se o eleito não possuir o carácter episcopal, seja imediatamente ordenado Bispo pelo Cardeal Decano. O Mestre das Celebrações Litúrgicas Pontifícias, na função de notário, redige um documento com a aceitação do novo Pontífice e o nome por ele assumido. Este costume vem desde o século X e é uma lembrança de que Jesus mudou o nome de São Pedro ao escolhê-lo para chefe da Igreja. Cumpridas, as outras formalidades previstas no “Ordo rituum Conclavis”, os Cardeais eleitores aproximam-se para render homenagem e prestar obediência ao novo Papa, após o que o primeiro dos Cardeais Diáconos (Protodiácono) anuncia ao povo a eleição consumada e o nome do novo Pontífice, o qual, imediatamente a seguir, dá a Bênção Apostólica Urbi et Orbi da varanda da Basílica do Vaticano. Curiosidades Até à eleição de João XXIII (1958) os votos dos cardeais eram queimados após cada votação. Quando misturados com a palha húmida, o fumo da chaminé da Capela Sixtina indicava ao povo da Praça de São Pedro, que o Papa ainda não estava eleito. Era o fumo branco que indicava o fim do Conclave e a eleição do Papa. Hoje em dia este processo faz-se pela adição de determinados produtos químicos aos papéis da votação. É histórico o Conclave no Palácio dos Papas em Viterbo, após a morte do Papa Clemente IV. Foi o Conclave mais longo da história da Igreja e teve a duração de 33 meses ou três anos, de 29 de Novembro de 1268 a 1 de Setembro de 1271, porque os Cardeais não chegavam a um acordo para eleger o novo Papa. O Governador da cidade, encarregado de alimentar os Cardeais, decidiu, por conselho de São Boaventura, encerrar os Cardeais no palácio. Fechou a porta da sala de reuniões, ficou com a chave, destelhou o local e cortou a remessa de mantimentos. Imediatamente chegaram a um consenso, elegendo o Papa Gregório X (1271-1276) que, para evitar a repetição do acontecimento, estabeleceu através do Concílio de Lyon (1247), normas que regulamentam, basicamente, os Conclaves até hoje. Os Papas seus sucessores acrescentaram algumas modificações a essa primeira regulamentação. Gregório XV, através das constituições de 1621 e 1622, e Pio XII, através da Constituição “Vacantis Apostolicae Sedis” de 1945, tornaram mais precisas as leis do Conclave. Após as leis especiais da Constituição Apostólica de Paulo VI “Romano Pontifici Eligendo” de 1 de Outubro de 1975, a eleição do Papa é pela Constituição Apostólica “Universi Dominici Gregis”. A partir de 1455, os Conclaves passaram a realizar-se no Vaticano, excepto o de 1799 que elegeu Pio VII em Veneza. Cardeais: saiba quem vai eleger o próximo Papa Apesar de haver referências anteriores ao título, é no século XI que os Cardeais passam a ter uma função mais próxima do que são hoje. Em 1050, para contrariar as disputas entre várias famílias de Roma que queriam dominar o papado, o Papa Leão IX (1049-54) chama vários homens que considera capazes de o ajudar a reformar a Igreja. Nove anos depois, Nicolau II decide que o Papa passa a ser eleito apenas pelos Cardeais, abandonando de vez a tradição de ser o clero e os fiéis a escolherem o seu bispo. Um século depois, institui-se o Sacro Colégio, designação abandonada pelo Direito Canónico em 1983. Hoje, os Cardeais – em tempos designados como “príncipes da Igreja”, pois tinham dignidade equivalente à de príncipe – “constituem um colégio peculiar, ao qual compete providenciar à eleição do Romano Pontífice”, como refere o Código de Direito Canónico (cânone 349). Cabe-lhes também auxiliar o Papa “quer agindo colegialmente” para tratar de “assuntos de maior importância”, quer individualmente. Em 1334 havia 20 Cardeais, longe dos 70 instituídos em 1586 pelo Papa Sisto V. Esse número manteve-se por quatro séculos até João XXIII (1958-1963). Paulo VI fixou em 120 o número de Cardeais eleitores do Papa e estabeleceu como limite para a possibilidade de votar os 80 anos, disposições que foram confirmadas por João Paulo II. Este último realizou nove consistórios, durante os quais criou 232 Cardeais, um dos quais “in pectore”. Outros seis consistórios extraordinários (1979, 1982, 1985, 1991, 1994 e 2001) serviram ao Papa para consultar os Cardeais sobre a reorganização da Cúria Romana, as finanças da Santa Sé, o escândalo do banco Ambrosiano que atingiu o Instituto de Obras da Religião, o “banco do Vaticano”, as “ameaças à vida” e o desafio das seitas, a preparação do jubileu do ano 2000 e as perspectivas para o novo milénio. As funções dos membros do Colégio Cardinalício vão para além da eleição do Papa. Qualquer Cardeal é, acima de tudo, um conselheiro específico do Papa que pode ser consultado em determinados assuntos quando aquele o desejar, pessoal ou colegialmente. Uma das funções da Câmara Apostólica, aquela por que é mais conhecida, é a de garantir o correcto desenvolvimento do Conclave – reunião do colégio de eleitores para escolher um novo Papa – de acordo com as normas previstas. Organismo que se remonta mil anos, a Câmara é a entidade mais antiga da Cúria Romana e dele emanam os demais Dicastérios. Na vacância da Sá Apostólica tem a autoridade prevista pela Constituição Apostólica “Universi Dominici Gregis”: o Cardeal Camerlengo, ajudado por outros membros da Câmara, dispõe todo o necessário para o bem da Igreja até que seja eleito um novo Papa. Os eleitores por continente No Colégio Cardinalício estão actualmente representados os 5 Continentes com 66 Países, 55 dos quais tem Cardeais eleitores. Os Cardeais eleitores estão assim repartidos geograficamente (entre parêntesis, indica-se o número total de Cardeais, incluindo os que têm mais de 80 anos de idade, que não podem, por isso, votar no conclave): Europa – 58 (95) América Latina – 21 (31) América do Norte – 14 (18) África – 11 (16) Ásia – 11 (18) Oceânia – 2 (5) Total: 117 eleitores (em 183 Cardeais). Apenas 3 dos Cardeais eleitores foram criados por Paulo VI, tendo os outros 114 sido criados por João Paulo II O país com mais Cardeais eleitores é a Itália (20), seguida dos EUA (11); Alemanha e Espanha (6 cada); França (5); Brasil e México (4 cada). Decano Card. Joseph Ratzinger Vice-Decano Card. Angelo Sodano Protodiácono Card. Jorge Medina Estévez Camerlengo da Santa Igreja Romana Card. Eduardo Martínez Somalo

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