Num tempo em que, meia volta, ouvimos a sirene dos bombeiros denunciando fogo e chamando para lhe acudir. Em maré de fogos florestais os bombeiros ‘ganham’ outra visibilidade e mesmo novo protagonismo. Há corporações que, neste tempo de verão, celebram efemérides e fazem-se monumentos alusivos à data em destaque. Ora diante deste cenário ocorreu-nos reflectir sobre o significado ‘religioso’ do fogo, esse elemento heractiliano recorrente… No fogo são reconhecidas três propriedades básicas: ilumina – luz, aquece – calor e queima – purifica, destrói e regenera. A linguagem de fogo envolve, por isso, uma simbólica onde teremos de discernir o seu significado de forma cada vez mais profunda e amplamente. O termo grego ‘pyr’ (fogo) e o latino ‘purus’ provêm da mesma raiz linguística, sendo, desta forma, o fogo visto como puro e purificador. Nas várias religiões ancestrais o fogo era elemento importante, aparecendo como símbolo da vida e indicando mesmo a chama o rumo do céu. Biblicamente encontramos no Antigo Testamento – no que à tradição judaica diz respeito – o fogo como figura para dizer o ‘ser’ e o ‘agir’ de Deus. O episódio da sarça ardente (cfr. Ex 3,10) é exemplificativo da revelação da identidade divina. A teofania do fogo no Sinai (cf. Ex 19,18) tem tanto de fascinante sobre o povo de Israel quanto tenebroso para os adversários do povo de Deus. Na componente profética da manifestação de Deus, a linguagem usada pelos profetas envolve, nalguns casos, o recurso ao elemento fogo (cf. Ez 1,4; Jr 21,22; Is 66,15; Dn 7,9). Também na reflexão sapiencial, concretamente nos Salmos, se refere o elemento fogo, como presença quase ameaçadora (cf. Sl 104,4; 18,9) sempre em ordem à vitória de Deus, que purifica o seu povo e ‘castiga’ os seus adversários. No Novo Testamento encontramos logo João Baptista a anunciar que o Messias baptizará com o Espírito Santo e com fogo (cf. Mt 3,11). O próprio Jesus apresenta-se como Aquele que traz o fogo à terra (cf. Lc 12,49), em ordem a purificar, converter e dar condições para que o Reino de Deus se torne presente no mundo. A revelação eclesial do Espírito Santo, no dia de Pentecostes, reveste a linguagem de fogo – ‘viram uma espécie de línguas de fogo e poisou uma sobre cada um deles’ (Act 2, 3). Vemos, assim, que a Igreja nasce em fogo para o anúncio inflamado pelo Espírito de Deus neste mundo. Liturgicamente encontramos o recurso ao elemento fogo, perspectivando as três vertentes enunciadas supra: como ‘luz’ vemos na vigília pascal, o fogo novo que resplandece nas trevas, sendo a vela baptismal um prolongamento ritual abrangente de toda a vida do cristão; o ‘calor’ que irradia do coração tomado pelo amor de Deus, na simbologia da devoção ao Coração de Jesus, quantas vezes apresentado como um coração ardente; o fogo ‘purificador’ vemo-lo na apresentação tão simples do incenso que se oferece como dádiva da nossa oração a Deus, qual entrega oblativa contínua em louvor e acção de graças. Não será necessário recorrer a qualquer esoterismo para sabermos perscrutar a força que o fogo envolve em linguagem religioso-espiritual. Que ao vermos o fogo sejamos impelidos à descoberta de Deus. Que ao contemplarmos os sinais da fé – dizemo-lo da de matiz cristã – sejamos reportados à condução do Espírito Santo, fogo e luz de Deus. Como centelhas de Deus sejamos capazes de semear o fogo divino neste mundo. A. Sílvio Couto