O Eurocentrismo católico no Ano da Fé

Padre Tiago Freitas, www.patiodosgentios.com

Passados poucos dias da abertura do ano da fé, começam agora a surgir os primeiros ecos da comunicação social e do mundo católico em geral. A jornada de 11 de outubro consistiu em dois grandes momentos: a solene eucaristia, da parte da manhã, e uma vigília, pelas 21h00, na praça de S. Pedro, organizada pela «Ação Católica Italiana», que terminou com um discurso, em tom coloquial, de Bento XVI.

A imprensa destacou dois aspetos da homilia do Santo Padre. Por um lado, a sugestiva imagem do ano da fé como «uma peregrinação nos desertos do mundo» (foi, inclusive, a manchete do «L’Osservatore Romano»). Um mundo que, nos últimos anos, sofreu uma «desertificação espiritual» e agora está vazio de Deus. Bento XVI toca aqui o tema do secularismo e do relativismo, no seguimento de que tem vindo a fazer em praticamente todas as suas visitas apostólicas, desde a Europa às Américas, passando por África.

Um segundo aspeto que mereceu destaque foi a relação entre o «espírito» e a «letra» do Concílio. Segundo Bento XVI, é necessário regressar à «letra» [aos textos] do Concílio para aí encontrar o verdadeiro espírito. Uma estratégia que pretende solucionar a controvérsia entre os «nostálgicos anacrónicos» e os «progressistas excessivos». Neste âmbito, veja-se o caso das recentes declarações do Cardeal Mauro Piacenza (Prefeito da Congregação para o Clero) que, num encontro com seminaristas em Los Angeles, afirmou: «Sereis vós a primeira geração que provavelmente interpretará corretamente o Concílio Vaticano II, não segundo o “espírito” do Concílio, que tanta desorientação trouxe à Igreja, mas segundo aquilo que realmente o evento Conciliar disse, nos seus textos, à Igreja e ao mundo».

O discurso da noite de 11 de outubro, numa clara analogia ao «discurso da lua» de João XXIII, sintetizou, com «alegria sóbria e humilde», a experiência eclesial no pós-concílio. «Nos últimos 50 anos aprendemos e experimentámos que o pecado original existe e traduz-se, repetidamente, em pecados pessoais, que podem também transformar-se em estruturas do pecado». Poucos dias antes, Bento XVI tinha aceite a renúncia do bispo chileno Marco Fernández, suspeito de um caso de pedofilia. Todavia, recorda também que a Igreja experimentou nestes anos a presença e a bondade do Senhor. Experimentou como Cristo não abandona a sua Igreja.

Nesse mesmo dia, e perante este cenário, perguntei a vários amigos, de várias partes do mundo, o que significava o Ano da Fé no seu contexto e quais os desafios mais urgentes na sua realidade.

De Moçambique disseram-me que a secularização não é um problema real. Importante é consolidar a fé dos cristãos, por três razões: ausência de bases sólidas de fé, que depois pode resultar no sincretismo religioso; a fé cristã não consegue dar respostas, de forma convincente, às questões existenciais do Homem e, por fim, faltam sacerdotes e religiosos para um acompanhamento de proximidade dos cristãos.

Da Índia realçaram a necessidade de aprofundar e difundir a fé católica, testemunhando-a no meio de tantos desafios, como as perseguições, o diálogo inter-religioso, sistema de castas, a pobreza, etc. Neste país, os católicos representam menos de 2% da população.

Um amigo da Coreia do Sul diz que o catolicismo precisa de combater o problema das heresias e ser uma resposta válida para a sede de Deus que se faz sentir naquela cultura.

No Brasil, a presença da fé é um dado adquirido e com forte incidência cultural. É certo que nas grandes cidades notam-se os primeiros sinais do secularismo, mas o grande desafio reside no diálogo com o protestantismo e no esclarecimento da fé, evitando o perigo das seitas e de esoterismos.

Destes diálogos, e muitos outros que aqui não tenho possibilidade de transcrever, pensei para comigo: será mesmo a luta contra o secularismo a prioridade para todo o mundo católico? Ou estaremos nós perante uma Igreja com um discurso demasiado europeu e demasiado romano? Ler «os sinais dos tempos» significa ter o horizonte alargado e o coração dilatado para reconhecer onde o Espírito Santo está a agir neste momento. Só assim podemos dar graças a Deus pela sua ação no mundo e individuar os critérios necessários para a nossa conversão.

Quando a Igreja desrespeita a sua identidade católica e universal, deixa de ser peregrina sobre a terra (ainda que ela seja um deserto) e passa a ser uma espécie de controlador de tráfego aéreo. Tudo o que vê cinge-se a uns meros pontos no ecrã a serem geridos. Perde aquilo que é verdadeiramente essencial. A experiência de voar alto.

Padre Tiago Freitas,
www.patiodosgentios.com

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