O Euro 2012 e a construção de um futuro comum

Fernando J. Micael Pereira

O futebol acaba por ser um espelho da vida, bem como um incentivo e modelo de como se caminha para o futuro. Ainda há poucos anos foi magnífico o modo como a todos uniu intensamente no gosto por sermos portugueses, na explosão de bandeiras e em outros símbolos demonstrados por toda a parte.

Nós que somos pouco expansivos, não só então nos entusiasmamos com as realizações da Seleção, como as vivemos em clima de aventura e de projeto, deixando-nos mobilizar para uma dimensão que estando muito para além do futebol, foi desencadeada e desenvolvida pela própria campanha futebolística.

O contacto com outros povos, a afirmação da nossa identidade, a coesão entre pessoas que têm filiações diversas, mas que apostam num projeto que as une, constituiu um trabalho bem realizado que renovou o que de positivo teve um outro empreendimento da mesma ordem, a Expo 98. Ela também esteve centrada na identidade, no gosto de ser português, na convivência com outros povos, na imagem de modernidade.

Passaram os anos, mudou muito a situação, mas o futebol como evento de multidões, a nível nacional e internacional, mantém esta sua função que está muito longe de ser a da alienação que tantos proclamaram durante decénios, embora de facto também possa conduzir a dimensões indesejáveis, ou a despesas escandalosas e faraónicas ou ainda, a conluios obscuros. Neste Europeu de 2012, até ao momento, a participação portuguesa tem revelado uma outra face bem diferente da de há oito anos, mas que espelha e responde igualmente à vida, às atitudes e às necessidades atuais da sociedade portuguesa.

Até ao momento tem sido significativa sobretudo a contenção quer nas expectativas em relação à Seleção, quer na mobilização da opinião pública, como igualmente na resposta a quem procura lançar e aquecer contenciosos e até, na opinião de comentadores, a contenção não só nas declarações, como na própria tática de jogo, criteriosa, sem exagerar, não realizando pressão excessiva em situações secundárias, não dando azo igualmente a esforços descoordenados, antes possibilitando a recuperação do jogo com entrega e acerto nos lances e movimentações.

A campanha tem mostrado o mérito do esforço sistemático, sem facilitações indevidas, embora mantendo dentro e fora de campo, no treino e no campeonato, as paragens e até as festas que se impõem, a ação e o descanso, as alternâncias que constituem a base de qualquer ação humana, sobretudo se esforçada. A participação da seleção tem-nos igualmente transmitido que o valor de alguém não pode ser idolatrado, mas deve antes ser enquadrado no contexto de uma equipa. Nem a estrela trabalha para si, nem a equipa se deve deixar perder em competições mesquinhas e secundárias que a nada conduzem; todos precisam de manter a eficiência e a elegância de favorecerem reciprocamente as suas oportunidades.

O facto de cada um assegurar o seu lugar e função, o mérito da persistência paciente como alavanca para vencer as dificuldades, tem sido no dizer dos comentadores um recurso insubstituível. Quanto se descreveu constitui uma teoria da construção de um futuro comum que é divulgada e comentada muito frequentemente, até durante o próprio desafio, e que acaba por ser realizada no relvado. É formada por princípios fundamentais para qualquer projeto comum poder avançar. O futebol mostra à saciedade o que precisamos de fazer como povo, e mostra-o de um modo fácil de compreender e de assimilar.

Seria fácil falarmos das regras que o futebol impõe, da rapidez da aplicação da justiça em campo, de como ela está sujeita a escrutínio por vezes até excessivo. Podíamos falar do cuidado em cumprir a ética da competição e de tantas outras dimensões exemplares.

De qualquer forma, à medida que o campeonato avança, lá vão aparecendo algumas tímidas bandeiras, surgem os lenços e os cachecóis, vai aumentando a confiança e com ela a esperança que afinal estava lá bem resguardada. É este o Portugal de agora, mais austero e mais capaz, mas ainda muito pouco seguro de si próprio.

Fernando J. Micael Pereira, professor universitário, especialista em Ciências Sociais

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