Nós que todos os anos vivemos o Natal perdemos o espanto perante o Natal. Essa é uma das piores coisas que pode acontecer a quem vive todos os anos o Natal. De facto, aqueles que participam com fervor na celebração anual do Natal sentem muitas emoções acerca dele, desde a elevação espiritual à indignação perante o consumismo e o desinteresse da sociedade. Mas raramente sentem aquilo que é o mais adequado perante o mistério natalício: o espanto. O espanto principal vem, naturalmente, do próprio acontecimento que se celebra: que Deus omnipotente, que não cabe nos Céus, tenha decidido descer até nós e nascer como um menino, é algo de inaudito, inconcebível, quase inacreditável. Este é o mistério central da nossa fé cristã, mas dificilmente o conseguimos entender, quanto mais descrever, de tal forma ele ultrapassa tudo o que podemos imaginar. Vivemos todos os dias com ele, mas não somos capazes de compreender aquilo em que baseamos a nossa própria vida. O nosso Deus é, sem dúvida, espantoso! Mas, mesmo se olharmos o Natal de fora, ele é uma festa absolutamente assombrosa. Se virmos o Natal como alguém que nada sabe sobre ele, se o considerarmos sem referência ao seu significado espiritual, temos de admitir que se trata de um fenómeno impressionante. Ele é a única festa verdadeiramente global que o mundo alguma vez viu. O Natal atravessa todas as fronteiras e culturas. Existem, sem dúvida, muitas pessoas a quem o Natal nada diz, mas é difícil encontrar alguém que não saiba que ele existe. Por outro lado, todos falam do “espírito natalício” mesmo quando ignoram o tal significado espiritual. De múltiplas maneiras e formas, os meios agnósticos, pagãos e até ateus se sentem tocados por uma mística que não sabem de onde vem. “Festa da família”, “tradição popular”, “quadra da solidariedade”, “reino do Pai Natal” são maneiras comuns de descrever aquilo que ninguém consegue explicar, mas que todos sentem palpavelmente nesta quadra. Os fenómenos espantosos que rodeiam o Natal são muitos mais. Por exemplo, trata-se da única celebração de aniversário que se verifica há mais de 2000 anos. Mas vale a pena pensar um pouco de onde vem esta surpreendente realidade. Se aquele que nada sabe sobre o Natal quiser entender a origem daquilo que tanto o surpreende, onde deve ele procurar a resposta? Que lhe podemos dizer nós, aqueles que todos os anos vivemos o Natal e participamos com fervor na sua celebração? Bem, esta questão levar-nos-ia muito longe. Alguns refeririam dados sociológicos, históricos e etnográficos. Falariam da influência planetária da civilização ocidental, do gosto das culturas pelos presentes e pelas festas e de muitas outras coisas. Mas não existem muitas dúvidas que a razão última do fenómeno vem, simplesmente, do facto indiscutível que o nosso Deus é espantoso. O Deus que fez as girafas e os cometas, que concebeu a aurora e as trovoadas, que imaginou as galáxias e os seres humanos, só Ele poderia inventar uma coisa como o Natal. João César das Neves