Padre Idalino Simões, Diocese de Coimbra
Desde 2014 (um ano depois de ter sido nomeado Papa), Francisco não deixou de ter presente e de animar os chamados «Movimentos Populares» que em vários sítios e com diversas denominações têm sido protagonistas de um permanente combate pela justiça social. Em 2014 o Papa Francisco cunhou a célebre frase dos 3 Ts: «Terra, teto e trabalho», que passou a ser como um símbolo de todo esse dinamismo social. Como o Papa referia, eles «representam um anseio que deveria estar ao alcance de todos». Desde esse primeiro encontro, realizado em 28 de outubro de 2014 no Vaticano, o Papa referenciava ainda as três grandes tarefas que requerem o apoio de todos os Movimentos
Populares: «colocar a economia aos serviço do povo, uni-los no caminho da paz e da justiça e defender a Mãe Terra».
No dia 20 de setembro deste ano o Papa Francisco encontra-se, de novo, com os representantes dos «Movimentos Populares» a quem tinha chamado «Poetas sociais, semeadores de mudança, promotores de um processo para o qual convergem milhões de pequenas e grandes ações, interligadas de modo criativo, como numa poesia».
Diz o Vatican News que o Papa chegou discretamente ao Palácio de São Calixto, sede do Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral, onde o se realizaria o encontro.
Vale a pena ler com atenção não apenas as palavras pronunciadas, mas também ler, por detrás das palavras, a angústia e a urgências da transformação social: «Terra teto e trabalho são direitos sagrados. Que ninguém vos retire essa convicção, que ninguém vos roube essa esperança, que ninguém apague os sonhos»
«A vossa missão é transcendente. Se o povo pobre não se resigna, o povo organiza-se, persevera na construção comunitária e ao mesmo tempo luta contra as estruturas da injustiça social, mais tarde ou mais cedo as coisas mudarão para melhor».
Estamos já habituados a um Papa que não tem medo das palavras e que intencionalmente agarra o núcleo central do Evangelho na opção preferencial pelos pobres. Citando-se, como ele diz, a si mesmo: «Enquanto não se resolverem radicalmente o problema dos pobres, renunciando à autonomia absoluta dos mercados e da especulação financeira, e atacando as causas estruturais da desigualdade, não se resolverão os problemas do mundo e, em última análise nenhum problema; a desigualdade é a raiz dos males sociais. Sei que isto incomoda, mas é verdade:»
Depois de referir a ganância e a acumulação de riqueza, e embora sem o referir, há uma denúncia velada da chamada teologia abundância de muitos grupos que se reivindicam de cristãos (a riqueza é um sinal da proteção divina). O Papa Francisco fala da Justiça Social como sendo «inseparável da compaixão. Deus tem três atributos: «proximidade, misericórdia e compaixão. Se queremos realizar algo de tipo social, por exemplo, temos que ir com estes três atributos». Isso mesmo está dito, duma forma impressiva e emocional quando em Timor Leste visitou a escola «Irmãs Alma» e lhe sai do coração esta frase: «Sem Amor isto não se entende».
Pragmático, o Papa termina a sua mensagem com 3 propostas de ação verdadeiramente transformadoras para todos os coletivos dos Movimentos Populares:
1. A Luta contra o narcotráfico, a prostituição infantil, o tráfico de pessoas. A luta contra a violência brutal nos bairros e todas as formas de criminalidade organizada que estão crescendo «na terra lavrada pela miséria», quando «não há integração sócio urbana e se deixam os bairros pobres sem água, sem luz, sem esgotos, sem espaços comunitários, quando não há uma justa distribuição da terra nas zonas rurais, um apoio constante à agricultura familiar e respeito à família rural.» O trabalho dos diferentes coletivos populares e também dos movimentos de Igreja é a última barreira de contenção a essas ondas de destruição.
2. A denúncia das apostas online e do mau uso das redes sociais que corroem não apenas os setores mais pobres mas também é transversal a todos os setores sociais. Lutar contra a propagação do ódio, da violência, das falsas notícias, da pornografia infantil, racismo ou o crime organizado é uma tarefa imensa onde não se pode desistir mesmo somando fracassos. O Papa faz um pedido urgente «para que parem com a arrogância de acreditar que estão acima da lei» e «sejam responsáveis pelo que acontece nas plataformas que controlam».
3. O Papa pede, por fim, aos Movimentos Populares que não desistam da proposta de luta por «um salário mínimo universal, para que ninguém fique excluído dos bens básicos necessários para a sua subsistência».
O Papa finaliza: «Falo-vos com o coração: a esperança não defrauda, é a virtude mais frágil mas não defrauda: essa esperança que não defrauda. Não nos cansemos de dizer: Nenhuma pessoa sem dignidade, nenhuma pessoa sem esperança».
Idalino Simões