A nova legislação relativa ao divórcio tem subjacente uma determinada concepção de família. De acordo com o preâmbulo do diploma, este deveria ir de encontro às tendências marcantes da evolução recente da família: a individualização, a sentimentalização e a secularização. De acordo com um dos deputados proponentes, a família deveria assentar “nos afectos, e não nos deveres”. Ao abrigo desta nova legislação, quase se torna possível o chamado divórcio unilateral, isto é, o divórcio requerido por um dos cônjuges contra a vontade do outro e mesmo que seja o requerente a violar os seus deveres conjugais (de respeito, cooperação ou fidelidade, por exemplo). Para tal, basta que se verifique a separação por um ano (um prazo que, em leis anteriores, começou por ser de seis anos e foi depois encurtado para três) ou qualquer situação que revele a definitividade da ruptura. A possibilidade do divórcio unilateral faz do casamento o mais instável dos contratos e torna quase irrelevante a diferença entre o casamento e a união de facto. Por outro lado, e porque a família deverá assentar “nos afectos e não nos deveres”, desaparece a figura do divórcio baseado na culpa: se cessam os afectos, cessa a relação familiar, sem que deva ser apurado qual dos cônjuges violou os seus deveres. É certo que o divórcio litigioso é, muitas vezes, fonte de conflitos evitáveis e, por isso, o legislador e a prática judiciária têm de há muito incentivado a conversão do divórcio litigioso em divórcio por mútuo consentimento. Mas abolir o divórcio baseado na culpa significa retirar relevo aos próprios deveres conjugais, cuja violação deixa de acarretar consequências neste plano (que sentido tem, então, estar casado e assumir esses deveres?). A declaração de culpa de um dos cônjuges pretendia, basicamente, evitar que o cônjuge “inocente” ficasse prejudicado com o divórcio. Retirar relevo à culpa é, assim, prejudicar esse cônjuge, que, muitas vezes, é também economicamente mais fraco. Portugal é um dos países europeus em que a taxa de divórcios mais cresceu nas últimas décadas. Vão-se conhecendo cada vez mais os malefícios sociais desse aumento (sobre isso, pode ver, em relação à Europa, o documento da Comissão dos Episcopados da Comunidade Europeia Proposal for a Strategy of the European Union for the Support os Couples and Marriage, acessível em www.comece.org). Neste contexto não pode deixar de ser nociva a mensagem veiculada por estas alterações legislativas, que traduzem um acentuado facilitismo do divórcio. Contra todas estas tendências, um esforço acrescido é exigido a todos: uma maior consciencialização da verdadeira concepção de casamento e família, em que os deveres reforçam os afectos e ajudam a superar as dificuldades, e em que a pessoa se realiza plenamente na doação gratuita.