O diaconado e o presbiterado como ministérios de vida

Homilia do Cardeal-Patriarca de Lisboa na Missa das Ordenações Queridos Ordinandos, Irmãos e Irmãs, 1. A Palavra de Deus proclamada neste domingo, convida-nos a confrontarmo-nos com o mistério da vida e da morte. Deus quer que o homem viva: “Eu não quero a morte do pecador, mas sim que se converta e viva” (Ez. 33,11). Deus não quer a morte, esta é obra do maligno. Toda a acção salvífica de Deus é defesa da vida, busca da plenitude da vida. Nosso Senhor Jesus Cristo, o verdadeiramente Vivo, o primeiro homem que atingiu a plenitude da vida, define-se a Si mesmo como a fonte da vida. A razão de ser da Sua encarnação é tornar possível a todos que atinjam a plenitude da vida. “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo. 10,10). Na cena narrada na passagem do Evangelho, Jesus mostra que tem poder sobre a morte. Ele pode fazer viver, mesmo que se esteja morto. São Paulo ensinará mais tarde, nas suas cartas às comunidades, que dos diversos inimigos que o cristão enfrenta na luta pela vida, o último a ser vencido, com a força de Cristo ressuscitado, será a morte. O ministério da Igreja, de que é expressão fundamental o ministério ordenado, é um serviço à vida, com a lucidez para perceber que a vida por que lutamos encontra a sua verdade e autenticidade em Cristo ressuscitado, que nos fará participar na vida de Deus. 2. O presbiterado e o diaconado são, assim, ministérios ao serviço da vida, como o é todo o ministério da Igreja. Isso exige, antes de mais, o aprofundar do mistério da vida. Dom de Deus na sua origem e em todas as suas formas, a vida é um dinamismo progressivo até uma plenitude que só conhecemos em Jesus Cristo ressuscitado. Como diz o Livro da Sabedoria, “pela criação Deus deu o ser a todas as coisas e o que nasce no mundo destina-se ao bem” (Sab. 1,13). Mas no que ao homem diz respeito, ele que é a expressão da vida mais perto da sua fonte divina, a plenitude da vida atinge-se na sua semelhança com Deus: “Deus criou o homem para ser incorruptível e fê-lo à imagem da Sua própria natureza” (Sab. 2,23). Só em Jesus Cristo o homem atingiu a plenitude de vida; por isso Cristo ressuscitado tornou-se a fonte necessária de toda a caminhada para a plenitude da vida. Do mesmo modo que, no mistério da criação, Deus é a fonte de toda a vida, no Verbo encarnado, Jesus Cristo, que na ressurreição atingiu a plenitude humana da vida, reside a fonte da plenitude da vida. No mistério da vida do ressuscitado adensa-se o mistério da vida humana, cujo sentido último só se capta na fé, na esperança e na caridade. A fé e a esperança situam o crescimento da vida no âmbito do aprofundamento da caridade. É por isso que o ministério na Igreja é, necessariamente, um sacramento de Jesus Cristo, actualização perene da sua morte e ressurreição. 3. A morte de Cristo adensou o mistério da vida humana de que, no realismo existencial concreto da humanidade, faz parte a morte. E isto dá à caminhada para a vida a densidade de um drama. E os ministérios ao serviço da vida não podem fugir à exigência deste drama, porque são chamados a vivê-lo na sua própria carne, como aconteceu com Jesus Cristo. Mas o que é a morte? Voltando à primeira leitura aí se afirma: “Não foi Deus quem fez a morte, nem Ele se alegra com a perdição dos vivos” (Sab. 1,13). E mais à frente o mesmo texto declara: “Foi pela inveja do diabo que a morte entrou no mundo e experimentam-na aqueles que lhe pertencem” (Sab. 2,24). Estas afirmações não podem referir-se apenas à morte física, que na verdade da criação, nos aparece como um momento da vida em que, na esperança, esta é abraçada como um mistério. A morte física não é a negação da vida, é antes a fronteira da sua radicalidade. Como diz um texto da Liturgia, para os que acreditam em Cristo, “a vida não acaba, apenas se transforma”. Se estes textos não se podem referir apenas à morte física, eles anunciam uma outra espécie de morte, a daqueles que, a viver a sua vida, esqueceram que Deus é a fonte da vida e que esta só atingirá a sua plenitude em comunhão com a vida divina. Esta morte coincide com aquilo a que a Sagrada Escritura designa por pecado, que é apresentado como a causa desta morte, como ensina o Apóstolo Paulo aos Romanos: “Por um só homem o pecado entrou no mundo e pelo pecado a morte, e esta atingiu todos os homens, porque todos pecaram” (Rom. 5,12). É por isso que a morte de Cristo é, antes de mais, uma vitória sobre o pecado, em favor da vida. Esta outra morte pode atingir a morte física que, perdido o seu sentido de momento purificador da vida, anula a esperança e fica reduzida à negação da vida. Viver com Cristo é também aprender a morrer. 4. O pecado é uma expressão global da perda de perspectiva na busca da vida. É sempre esquecimento de Deus como verdade da vida, e encontra no egoísmo e na autonomia da liberdade o traço comum a todas as expressões que, parecendo de vida, são, na realidade, expressões de morte. Ao contrário, em Cristo descobrimos a vida como crescimento no amor, expressão de acção de graças e de louvor. Só se salva a vida vencendo o pecado e a morte, e isso só é possível a partir de Jesus Cristo, participando na Sua Páscoa, conduzidos pelo Espírito. Ministros de Jesus Cristo, os sacerdotes e os diáconos estão ao serviço da Vida. E isso exigirá deles assumirem o drama da salvação que encarna no seu próprio drama e no dos homens seus irmãos. Não é possível ser-se ministro da Vida sem assumir esta dramaticidade da fidelidade a Jesus Cristo. Ministros de Jesus Cristo, os sacerdotes e os diáconos têm de, eles próprios, se manterem fiéis à Vida como Jesus a vive, o que comporta a exigência do mistério e a densidade das suas expressões. Quem se desvia da Vida, fica enfraquecido para exercer um ministério de Vida. A santidade pessoal dos sacerdotes é, exigida cada vez mais pela radicalidade do seu ministério. Só assim eles poderão abraçar, com amor, os dramas dos seus irmãos, quando são fracos e pecam, quando abandonam o Senhor, quando sofrem ou estão sós, quando as necessidades materiais lhes dificultam a liberdade do espírito, quando lutam na contínua batalha da fidelidade. O poder do sacerdote não é humano, é a força de Cristo ressuscitado. Ele tem de ser homem da esperança, o que não desiste de salvar a relação entre a beleza subjacente a todas as formas de vida, e a vida plenamente vivida. Porque lutam contra o pecado, os ministros de Jesus Cristo não desistem nessa batalha, acreditam sempre no triunfo da Vida e a pertinácia da sua esperança comunica vida àqueles que dela desistiram. 5. As leituras desta celebração sublinham duas expressões fortes da Vida: a fé e a generosidade. O encontro com Jesus Cristo fez aquela mulher, referida no Evangelho, acreditar na Vida: “Se eu, ao menos, tocar nas Suas vestes, ficarei curada” (Mc. 5,28). Nós podemos, no nosso encontro com Cristo Vivo, fazer muito mais do que tocar-Lhe nas vestes. Podemos mergulhar com Ele no drama da Sua morte e na vitória da Vida, que foi a Sua ressurreição, e comer o Seu corpo, unindo-nos fisicamente a Ele, acreditando que Ele será, em nós, fonte de Vida. São Paulo lembra aos Coríntios que a sua fé em Cristo deve transformar-se em generosidade para com os irmãos. Quem é ministro de Cristo, Ele que deu a Sua vida, só pode partilhar a vida. Ministros de Jesus Cristo, sede servidores da Vida, na certeza de que isso exigirá de vós o dom contínuo da vossa própria vida. Mosteiro dos Jerónimos, 2 de Julho de 2006 † JOSÉ, Cardeal-Patriarca

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