Luís Serpa, Diocese de Lisboa
A palavra criação significa mais do que «natureza», afirmava o Papa Francisco na Laudato Si’. Na tradição cristã «tem a ver com um projeto de amor de Deus, onde cada criatura tem um valor e um significado» (LS 76). O primeiro presente que Deus nos deu foi a própria criação. «Não somos Deus», dizia Francisco, «a terra já existia antes de nós e foi-nos dada» (LS 67). As pessoas buscam Deus fora e acima da criação, na abstração, na pureza e na complexidade. Mas a história da criação no Génesis diz que o inverso é que é o verdadeiro: nas palavras de Francisco, Deus é próximo e concreto. Deus criou o mundo bom e belo, desejando que toda a sua criatura prospere. O lugar onde encontramos Deus está mesmo à frente do nosso nariz, aqui em baixo junto com as suas criaturas, «em todas as coisas».
Deus criou o mundo ex nihilo e ex amore, como diziam o Padres da Igreja. A partir «do nada» significa que a criação não serve para nenhuma necessidade de Deus. Ele não nos cria por precisar de nós, mas «por amor». «Por amor» significa que Deus nos criou porque é da Sua natureza criar, para bem da criação. Assim como uma obra de arte, somos «maravilhosamente feitos» (Sl 139). Enquanto criaturas criadas ex nihilo e ex amore, temos um significado intrínseco, um valor profundo e um propósito inerente. Portanto não somos um meio para um fim, mas fomos criados por amor e para o amor.
Contudo, cada pessoa humana, criada à imagem e semelhança do Criador, é chamada a responder ao dom da sua existência com compromisso e liberdade, reconhecendo que este dom encerra a responsabilidade de partilhar, servir e transformar o mundo. Hoje somos convidados a olhar a história como sagrada, onde os acontecimentos, por mais simples que sejam, podem ser portadores de sentido e de graça.
Leão XIV dirá também na sua mensagem para 10º Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação, que «cuidar da criação torna-se um questão de fé e de humanidade» e que «viver a vocação de guardiões da obra de Deus não é algo opcional nem um aspeto secundário da experiencia cristã», mas algo intrínseco ao sentido da nossa existência enquanto criatura muito amada por Deus. Esta consciência de sermos chamados a criar através do serviço é fundamental. Portanto, escapar a «uma relação pessoal e comprometida com Deus, que ao mesmo tempo nos comprometa com os outros» é uma tentação contemporânea, observava Francisco na Evangelii Gaudium, «quando os crentes procuram esconder-se e livrar-se dos outros, e quando subtilmente escapam de um lugar para o outro ou de uma tarefa para outra, sem criar vínculos profundos e estáveis» (EG 91).
Luís Serpa
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