O Cristo Rei do Garajau: símbolo esquecido de um património negligenciado

Luísa Gonçalves, diocese do Funchal

A degradação do Cristo Rei do Garajau, considerado o mais antigo monumento do género no mundo, é um retrato alarmante da negligência com que tratamos o nosso património cultural e histórico.

Aquilo que deveria ser um símbolo de fé, de identidade madeirense e de memória coletiva, encontra-se hoje num estado de abandono que envergonha qualquer cidadão minimamente consciente do seu valor.

O caso torna-se ainda mais grave quando se percebe que o monumento está prestes a celebrar cem anos de existência. Um século de história, marcado pela fé, pelo simbolismo religioso e pelo enquadramento paisagístico singular que oferece, deveria ser motivo de orgulho e celebração.

Em vez disso, aproxima-se do centenário num estado de deterioração evidente, que só revela a indiferença com que o tratamos.

Vítima da passagem do tempo e das condições climáticas adversas — como os ventos fortes, a chuva intensa e a salinidade marítima — o monumento tem vindo a deteriorar-se de forma visível. A situação agravou-se quando um raio atingiu recentemente a estrutura, causando ainda mais danos. E o que se seguiu foi, lamentavelmente, aquilo a que já estamos habituados: um silêncio cúmplice e o habitual “jogo do empurra” entre entidades, cada uma procurando esquivar-se à responsabilidade de intervir.

Para agravar ainda mais a situação, o facto de o monumento estar rodeado por terrenos supostamente privados levanta sérias dúvidas sobre a acessibilidade e a responsabilidade legal pela sua conservação. Será aceitável que um bem com tanto valor simbólico e histórico esteja à mercê de indefinições burocráticas e disputas de propriedade?

A passividade das autoridades é tão gritante quanto incompreensível. Falta manutenção, falta investimento, falta sobretudo vontade política para reconhecer o Cristo Rei do Garajau como um património que merece respeito e cuidado. O monumento não é apenas uma atração turística. É parte da história viva da Madeira. O seu abandono representa não só o desgaste físico de uma estrutura de pedra, mas também o desgaste da nossa identidade e da forma como encaramos o passado.

Proteger e restaurar este monumento não é apenas um dever patrimonial — é um ato de responsabilidade cultural. A chegada do seu centenário deveria ser uma oportunidade para celebrar, valorizar e preservar este ícone. Em vez disso, corremos o risco de comemorar cem anos com ruínas. É imperativo que se deixe de adiar o inevitável: ou se intervém agora, com seriedade, ou corremos o risco de perder para sempre mais uma peça da nossa memória coletiva.

Já não há mais tempo para desculpas.

É hora de agir.

Luísa Gonçalves

(Os artigos de opinião publicados na secção ‘Opinião’ e ‘Rubricas’ do portal da Agência Ecclesia são da responsabilidade de quem os assina e vinculam apenas os seus autores.)

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