O Coração Trespassado de Cristo Fonte de Misericórdia e Perdão

Mensagem quaresmal dos Bispos de Évora Caríssimos Irmãos e Irmãs! O Santo Padre Bento XVI exorta, nesta Quaresma, a olhar para o Coração trespassado do Redentor, grande sinal de amor e comunhão com Deus e com os irmãos a viver e anunciar. O Redentor é causa da nossa alegria, porque acreditamos ter sido salvos em esperança graças ao triunfo do Ressuscitado sobre o pecado e sobre a morte. 1. A importância central do Mistério Pascal de Cristo. O Mistério Pascal é alicerce da fé e da esperança e ícone do amor de Deus que nos move ao testemunho coerente da diferença cristã na obediência à Verdade e ao desejo veemente de transformação do nosso corpo mortal, sujeitos ainda à concupiscência e ao pecado, para, pelo poder do Ressuscitado, sermos definitivamente configurados à imagem do Seu Corpo Glorioso. A Morte e a Ressurreição de Jesus são o motivo, a fonte e a causa da reconciliação dos homens entre si e com Deus Pai, que por Cristo, no Espírito, pela mediação da Igreja nos perdoa os pecados, como diz S. Paulo: “Cristo morreu por todos para que os que vivem não vivam mais para si mesmos mas para Aquele que por eles morreu e ressuscitou… Tudo vem de Deus que por meio de Cristo nos reconciliou consigo e nos confiou o ministério da reconciliação ”( 2 Cor 5,15.18 ). Do lado aberto do Redentor, das Suas adoráveis chagas, nasce a Igreja e provém a eficácia dos Sacramentos, sendo o Coração trespassado a fonte e o sinal mais eloquente do amor infinito e misericordioso de Deus por nós, como ícone grandioso que mostra o limite inultrapassável que Deus impôs ao pecado, assegurando-nos que não há pecados irremissíveis, que a Misericórdia de Deus é infinitamente maior que os pecados, por maiores que sejam, que Deus perdoa sempre, se, arrependidos, quisermos livremente ser perdoados por Ele, que nos ama até ao ponto de ter entregue o Seu Filho por nós. Como nos disse Bento XVI, na mensagem da Quaresma do ano passado: “a Quaresma é o tempo privilegiado da peregrinação interior até Aquele que é a fonte da misericórdia. Nesta peregrinação, Ele próprio nos acompanha através do deserto da nossa pobreza, amparando-nos no caminho que leva à alegria intensa da Páscoa. Mesmo naqueles “vales tenebrosos” de que fala o Salmista ( S. 23,4 ), enquanto o tentador sugere que nos abandonemos ao desespero ou deponhamos uma esperança ilusória na obra das nossas mãos, Deus guarda-nos e ampara-nos”. A vida é luta contra “o mundo, demónio e carne”, que nos movem guerra, se opõem a Deus e ao amor fraterno: luta experimentada por nós, na ‘lei da carne’ contra a ‘lei do Espírito’(Rm.7,14-25) e nas seduções do mundo, como diz S. João: “ tudo o que há no mundo – a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida – não vêm de do Pai, mas do mundo”(1 Jo 2,16). E, depois, há ‘o pai da mentira’, que seduz, desmotiva, engana, cega, banaliza o pecado, minimiza a sua maldade e fealdade, nos empurra para o mal, convencendo que da sua prática nada advém de mal, para, após a queda e amargura do pecado, nos atormentar e paralisar, com o medo e o desespero, no estado de impenitência e oclusão ao perdão e à misericórdia de Deus. 2. A fé na remissão dos pecados Não devemos anuir à ilusão enganadora do pecado, mas devemos ter em conta e tomar consciência do poder que ele exerce em nós e à nossa volta, acreditando na remissão dos pecados, no infinito poder do amor misericordioso de Deus, que jorra do Coração aberto do Crucificado, como limite intransponível à força desagregadora e aniquiladora do pecado, definitivamente vencido pelo triunfo da Ressurreição de Cristo. Contemplando este Coração trespassado confessamos que Jesus é o Filho de Deus que por nós morreu e ressuscitou, atestamos que o Pai o ressuscitou e “ cremos na remissão dos pecados”, pois sabemos que “ não há pessoa, por muito má e culpável que seja, que não deva seguramente esperar o seu perdão, desde que o seu arrependimento seja sincero” (Cat.Rom.I,15,5), como sabemos que “ Jesus Cristo, que morreu por todos os homens, quer que, na sua Igreja, as portas do perdão estejam sempre abertas a todo aquele que se afastar do pecado” ( CIC 982 ). Jesus uniu a pregação do Evangelho e anúncio do Reino ao apelo à conversão dizendo: “arrependei-vos e acreditai no Evangelho” (Mc 1,15) e enviou os Apóstolos a pregar e baptizar, professando “um só baptismo para a remissão dos pecados”, exortando a que “em Seu nome, proclamassem a todas as nações o arrependimento e o perdão dos pecados” (Lc. 24,47). Assim, não há verdadeira adesão de fé, esperança e amor a Jesus Cristo, sem arrependimento e perdão dos pecados, os quais cavam verdadeiramente a nossa ruína e nos afastam de Deus e dos irmãos. 3. Deus perdoa na Igreja mediante o ministro da reconciliação Como remédio contra o mal dos nossos pecados, na comunhão desta Igreja que somos e de que fazemos parte, que é corpo de Cristo, templo e “campo onde o Espírito floresce” (S.Hipólito),“existem a água do baptismo e as lágrimas da Penitência”(S. Ambrósio), os quais são sinais e instrumentos do poder de Deus que, mediante eles, através do ministro da Igreja, nos asseguram e concedem o perdão dos pecados. Ao infundir sobre os Apóstolos o “Espírito do Pai e do Filho”, o Ressuscitado deu-lhes o poder divino de perdoar os pecados, por Cristo e no Espírito, em nome de Deus Pai, dizendo: “ Recebei o Espírito Santo: àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados; e àqueles a quem os retiverdes ser-lhes-ão retidos” ( Jo 20,22-23 ). Consciente do ministério da reconciliação e perdão dos pecados, poder que o Pai, por Cristo, dá, juntamente com o Espírito, ao ministro ordenado, no Sacramento da Ordem, o Apóstolo Paulo escreve aos Coríntios: “tudo vem de Deus que por meio de Cristo nos reconciliou consigo e nos confiou o ministério da reconciliação” ( 2 Cor 5,18 ). “O Baptismo é o primeiro e principal sacramento para o perdão dos pecados: une-nos a Cristo morto e ressuscitado e dá-nos o Espírito Santo” (CIC 985 ), mas o Baptismo, não suprime a fragilidade, nem a concupiscência, não nos torna impecáveis e assim “o Sacramento da Penitência é a via ordinária para obter o perdão e a remissão dos pecados graves cometidos depois do Baptismo”(João Paulo II, Exortação Reconciliação e Penitência, 31). O pecador arrependido deve confessar humilde e sinceramente os seus pecados, possuir e manifestar verdadeiro arrependimento, estar disposto a emendar-se e a reparar, na medida do possível, o mal feito, como diz o Catecismo Romano: “A penitência leva o pecador a tudo sofrer de boa vontade: no coração, a contrição; na boca, a confissão; na prática, toda a humildade e satisfação de obra” ( II, V, 21 ). 4. Crise e necessidade do Sacramento da Penitência Alegramo-nos por muitos receberem a Eucaristia “antídoto que nos livra das faltas quotidianas e nos imuniza contra os pecados graves”(Conc.Trento: DS 1638), mas é necessário ver se ela, que é a máxima expressão de intimidade com Cristo, é celebrada e adorada, como Deus quer e a Igreja recomenda, pois “a Igreja nunca cedeu à tentação de banalizar esta ‘intimidade’ com o Seu Esposo, recordando que Ele é também o Seu Senhor e que, embora ‘banquete’, permanece sempre um banquete sacrificial, assinalado com o Sangue derramado no Gólgota” ( Enc. Eccl. de Euch.,48 ). Constatamos a perda do ‘sentido do pecado’, “ameaçados pelo eclipse, deformação, entorpecimento e anestesia das consciências” e expostos à “ sujeição a modelos éticos impostos pelo consenso e costume generalizado mesmo quando são condenados pela consciência individual ” (João Paulo II, Ex. Ap. Reconciliação e Penitência, 31). E, por outro lado, a rotina, a ignorância e a inconsciência com que se celebra e vive a Eucaristia, repercute-se na vida incoerente dos cristãos desmotivados, com um verniz de piedade e pertença cristã, mas sem impacto social, com uma fé morta, desligada da vida, indiferente a tudo e a todos, já denunciada pelo Concílio Vaticano II: “ o divórcio entre a fé que professam e o comportamento quotidiano de muitos deve ser contado entre os mais graves erros do nosso tempo” ( GS 43 ). A Eucaristia começou por ser chamada ‘Fracção do Pão’ e é ‘Comunhão’ porque dela se espera, nela se vive, se estabelece e se deseja a Comunhão com Deus e com os irmãos, pois é ela que faz a comunidade da Igreja, que vive de Cristo, em Cristo e para Cristo. Ora, se isso não acontece, algo está mal. E o grande mal é, sem dúvida, a terrível banalização do mal, o eclipse da consciência e da Verdade que deve formar e iluminar a consciência. Se tanta coisa está mal, se a nossa fé é sal apodrecido, indiferença e apenas exterioridade folclórica é porque se verifica a perda do sentido do pecado, sinal da perda do sentido e desejo de Deus, do qual nos afastamos. Só há um caminho para refazer a comunidade cristã, para fazer dela fermento e ‘sinal levantado entre as nações’, que é realizar o caminho do retorno à consciência iluminada e esclarecida pela Verdade de Deus que se revelou em Cristo, o retorno à conversão a Deus, à confissão e arrependimento dos pecados, abrindo-nos ao perdão misericordioso de Deus, que nos é outorgado na Igreja, pelos ministros ordenados a quem o Senhor concedeu o ministério da Reconciliação. Ao abeirarmo-nos da Comunhão devemos pensar no que fazemos, com a consciência limpa, distinguindo o Corpo e o Sangue do Senhor, que nos chama à comunhão com Deus e com os outros, para não sermos réus da condenação, como dizia Paulo aos Coríntios (1 Cor 11,17-29). Abeiremo-nos, com fé e espírito de adoração, de humildade, contrição e acção de graças, da Penitência e da Eucaristia, deixando-nos transformar pela eficácia redentora destes dois sacramentos, que fluem do Amor Misericordioso do Coração trespassado do Senhor, para construir e embelezar a Igreja de Deus, Esposa do Cordeiro e Sacramento universal de salvação e de unidade entre os homens, chamada a testemunhar a fé e a comunhão do amor a Deus e aos irmãos, na esperança e na alegria, na solidariedade e na partilha, a crescer até ao dia em que Cristo seja tudo em todos. 5. Finalidades da partilha de bens, nesta nossa Quaresma A fé sem obras é morta (Tiago 2,14-16). Não há verdadeira conversão a Deus sem conversão às necessidades dos irmãos e irmãs em humanidade. Seremos julgados pelo amor que tivermos dispensado ou não aos necessitados, nos quais Deus quer ser amado, reconhecido e encontrado (Mt 25,31-46).“É boa a oração feita com verdade e a esmola, acompanhada pela justiça… Melhor é dar esmolas do que acumular tesouros, pois a esmola livra da morte e limpa de todo o pecado. Os que praticam a misericórdia e a justiça serão cumulados de vida. Aqueles que cometem o pecado e a injustiça são inimigos da própria vida”( Tob. 12,8-10 ). No ano passado, o contributo penitencial, foi destinado aos cristãos da Terra Santa. Neste ano de 2007, continuando atentos aos sofrimentos dos frágeis e mais pobres, vamos destinar o nosso contributo penitencial à Ajuda às Crianças do Mundo, colocando-o nas mãos do Santo Padre Bento XVI, para ajudar as crianças pobres, órfãs e vítimas da guerra, da prepotência, da manipulação, da incúria, do egoísmo, dos mais baixos e abomináveis instintos e maus tratos que elas sofrem da parte dos adultos. Confiamos, mais uma vez, à Caritas Diocesana a dinamização desta actividade pastoral penitencial que consideramos da maior importância, agradecendo, desde já, toda a sua disponibilidade e dedicação ao serviço dos mais frágeis e dos mais pobres. Évora, Festas das Cinco Chagas de Cristo, 7 de Fevereiro de 2007 + Maurílio Quintal de Gouveia, Arcebispo de Évora + Amândio José Tomás, bispo auxiliar.

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