Padre Miguel Neto, Diocese do Algarve
Na Carta Encíclica “Dilexit Nos”, o Papa Francisco apresenta uma profunda reflexão sobre o amor divino e humano, tendo como elemento central o coração. Esta perspetiva convida-nos a repensar o papel do coração, não apenas como órgão físico, mas como centro integrador da experiência humana do amor.
Em uma época marcada pela superficialidade e pelo individualismo, onde as relações são cada vez mais líquidas e mediadas pela tecnologia, a encíclica chama-nos a atenção para a necessidade de recuperar a dimensão profunda do amor. O coração, como destaca o documento, é mais do que uma metáfora poética: é o lugar onde se forjam as decisões importantes e onde se manifesta a verdadeira essência do ser humano.
O amor divino, manifestado em Jesus Cristo, revela-se como incondicional e precedente a qualquer mérito humano. “Ele amou-nos primeiro”, como nos recorda São João. Este amor divino não é uma abstração teológica, mas uma realidade que se manifesta no concreto da existência humana, através do coração aberto de Cristo.
Por sua vez, o amor humano, quando autêntico, reflete essa dimensão divina. Não se trata apenas de sentimentalismo ou de uma experiência puramente emocional, mas de uma realidade que envolve a pessoa em sua totalidade – corpo e espírito. O coração é justamente o ponto de encontro onde essas dimensões se integram e ganham sentido.
A capacidade de amar e ser amado não é um algoritmo, que pode ser reproduzido artificialmente, como bem pontua o documento. É uma experiência única e pessoal, construída na intimidade do coração, através das pequenas memórias, dos gestos quotidianos e dos encontros significativos, que marcam nossa existência.
O desafio atual não é apenas recuperar a linguagem do coração, mas permitir que ele seja efetivamente o centro integrador de nossa experiência de amor. Num mundo fragmentado e individualista, o amor autêntico – tanto divino, quanto humano – apresenta-se como força unificadora, capaz de dar sentido à existência e de construir pontes genuínas entre as pessoas.
Esta reflexão convida-nos a redescobrir o amor como vocação fundamental do ser humano. Somos feitos para amar e ser amados e é no coração que essa realidade encontra a sua expressão mais profunda e verdadeira. O amor divino e o amor humano não são realidades separadas, mas dimensões complementares, que encontram neste centro do ser verdadeiramente humano, o seu ponto de convergência e realização.